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Depoimentos de pessoas que fazem a história da TV.
 
HOMERO SALLES - PRIMEIRA PARTE
 
   

"... eu fiz uma trilha no meio da mesa com clipes. Eu colei fita crepe e coloquei os clipes em pé como se fossem uma cerquinha. Exatamente no meio da mesa. No dia seguinte chegou o garoto, bem mais novo do que eu. (...) virei,e falei: "Você está vendo essa cerca que tem aqui no meio da mesa? Se eu pegar uma coisa sua deste lado, vou jogar no lixo, ok? Você só tem a metade da mesa. A outra metade é minha, entendeu?", "Claro, claro! Entendi!", "Como é o seu nome, garoto?" e ele: "Meu nome é Augusto Liberato, tem gente que me chama de Gugu".

"Quem diria... ele viria a se tornar o meu melhor amigo a quem eu mais admiro!"
 
 
 
Trabalhar em Televisão: um dom
Acontece uma coisa interessante... A questão de uns dez ou quinze anos atrás eu fui entrevistado e a pessoa me fez uma pergunta que modificou um pouco o meu conceito de quem eu era e qual era a minha função no meio televisivo. A repórter me perguntou assim: "Quando é que você se interessou por Televisão?" Aí eu brinquei com ela e falei: "Se você estivesse entrevistando um músico, você perguntaria a ele ‘quando você sentiu que tem dom para a música?’, se você estivesse entrevistando um pintor, você perguntaria a ele ‘quando você sentiu que tinha dom para desenhar?’. Acredito que Televisão seja a mesma coisa. Não se trata de uma carreira e sim de um dom que você tem ou que você não tem. Se você tem, você sabe disso desde pequena".
 
Infância e os programas de auditório
Daí comecei a rememorar fatos da minha infância em que os colégios promoviam idas a programas como Pullman Jr., Chazinho com as Estrelas, Durval de Souza na Record... Eu sei que quando eu ia para essas atividades que envolviam a Televisão, eu não ficava junto das crianças. Eu ia para o colo de um cameraman para olhar do viewfinder. Então quando eu tinha quatro anos, cinco, seis anos, eu já tinha certeza do que eu queria fazer, que seria trabalhar com Televisão. Obviamente eu estou falando da década de cinqüenta e na década de cinqüenta as televisões eram geladeiras... As televisões eram acopladas ao toca disco de vinil e era uma peça enorme... Eu devo ter sobrevivido pelo anjo da guarda, porque eu tentei várias vezes desmontar aqueles aparelhos para entender porque os homenzinhos falavam lá de dentro... como o Rim-Tin-Tin conseguia ficar lá dentro. E assim foi, desde pequeno. Essa vocação, até por falta de um curso vocacional na época, não aflorou com o nome de ‘você está vocacionado para Televisão’, mas a vida me levou a isso.
 
Adolescência e a descoberta ‘intuitiva’ de Produção em TV
No início tive empregos como qualquer garoto, office-boy, trabalhar com amigos de família que me faziam rodear a Televisão, me faziam sempre ficar perto da TV. Eu tinha uns dezoito anos e fui trabalhar numa empresa em Curitiba, e eu rodeava a TV Curitiba, se eu não me engano, Canal 6. E tinha um programa lá chamado Mário Vendramel. Esse programa era muito famoso, um programa que hoje seria considerado o programa do Gugu, o programa do Faustão. Se não me falha a memória, era aos Sábados à tarde, onde ele recebia convidados, pessoas da cidade e tudo mais. Para conseguir me aproximar da Televisão, comecei a contatar artistas que estivessem programados para apresentarem um show em Curitiba. Então eu lia no jornal: "Juca Chaves vai fazer um show em Curitiba." Sem ninguém me mandar, eu ia até o hotel, conversava com o Juca Chaves: "Juca, você não gostaria de divulgar o seu show de amanhã no Programa Mário Vendramel, é um programa de ótima audiência. Acredito que você vai ser feliz e vai ter resultado, vai ter retorno." Ele aceitava, aí eu ia no Programa Mário Vendramel e falava assim: "Olha! O Juca Chaves gostaria de participar do programa. Vocês gostariam de ter o Juca Chaves?", "Ah, sim! Claro! Claro!". Então eu virei um produtor meio informal do Programa Mário Vendramel, levando essas atrações que estavam visitando Curitiba. Outra incursão minha, acredito que um ano a dois anos depois foi em Belém do Pará. Trabalhava numa agência de publicidade que fazia anúncios em ônibus e conseguia que todos os clientes desviassem uma parte da verba para a Televisão para poder ficar enturmado com o pessoal da TV.
 
Câmera Bolex Câmera Bolex
  TV Independente de São José do Rio Preto
Na década de setenta, 72... eu tinha uns 20 anos, existia a TV independente de São José do Rio Preto, Canal 8. Totalmente a parte das Redes, o proprietário era de Catanduva e chamava-se Warley Agudo Romão e o genro dele era o superintendente, Gerson Gabbas. Eu chegava a freqüentar a cantina da TV Rio Preto que era parte do prédio e pagava cerveja para o pessoal para poder me enturmar. Com a vinda de Vicente Campos Ribeiro, famoso em Belo Horizonte, ele foi tocar o departamento comercial da TV Rio Preto e gostou de mim. Ele tinha dois filhos e eu fiz amizade com os filhos dele e as minhas perguntas básicas eram: O que é um produtor? O que faz um assistente de produção? E tentando me encaixar. Só que aquilo não era motivo de renda. A TV Rio Preto na verdade foi uma escola. Lá eu construi paredes; eu carreguei cenário; fui contra-regra; nós filmávamos com uma câmera Bolex, câmera ainda de dar corda; fui contato comercial. E tínhamos, ainda dentro da emissora, um cocho de banho de filme. Filmávamos em 16, voltávamos para a emissora e dávamos banho...
 

Comerciais

Os comerciais eram produzidos lá. A gravação era o dono na porta da loja e o nome dela. Se você filmasse isso, você tinha um comercial. Aí você ía para a Televisão, tratava aquele filme na mão mesmo, no banho. Tínhamos um telecine (equipamento que copia filme para videoteipe ou transmite) que era um projetor de 16mm, era adaptado. Então era ali que nós soltávamos os comerciais. E com um cuidado extremo porque era dali que saía o dinheiro. Então trabalhávamos com luvas para poder tocar naquele filme, aquele filme não poderia ser riscado porque era o nosso ganha pão. Parei com outras atividades quando começou a entrar um pouquinho de dinheiro, por isso a razão de ser contato comercial. Era um meio de subsistência para que pudesse fazer os programas.
 
Programas de audiência da TV Rio Preto
 
E a TV Rio Preto nessa época tinha dois programas na região de sucesso absoluto. Um deles persiste até hoje, é um dos programas independentes mais antigo "Porteira do Oito". Passava aos Domingos na TV Rio Preto, apresentado por Jaburã e Silveira Coelho, com duplas sertanejas. Esses cantores famosos da época como Léo Canhoto e Robertino, Milionário e Zé Rico, Tonico e Tinoco etc, eles tinham que se hospedar em Rio Preto para fazer as cidades ao redor. Então, a gente conseguia os melhores, nesse segmento, de graça, para o programa "Porteira do Oito".
Então, tínhamos sempre artistas de primeiríssimo time, de graça, porque eles íam ao programa e diziam onde íam cantar.
E o outro programa de sucesso era aos Sábados à tarde, apresentado por Silveira Lima, um senhor que falava bem, tinha um porte muito elegante e contava histórias do arco da velha, dos tempos dele da Rádio Nacional, em São Paulo e tudo mais. E uma história recorrente dele era dizer que foi o primeiro a dar emprego ao Sílvio Santos. Eu e os filhos do Vicente Campos, o Vicentinho e o Marquinhos, morríamos de rir. E ele mostrava um recorte, ele só tinha um, que era ele na frente do microfone e o Sílvio Santos atrás. Nós falávamos: "Bom, tirou essa foto! Isso não significa que foi ele quem deu o primeiro emprego ao Sílvio Santos". Ele tinha algumas particularidades do programa, ele sempre abria: "Gente que vê a gente, a gente fica muito contente!" e despedia-se do programa dizendo: "Saio daqui quase envergonhado pelo pouco que lhes dei, mas imensamente agradecido por tudo que vocês me deram em troca do nada que eu mereço." Era uma figura! Eu fazia parte do júri, vendia comercial, ajudava na produção e tudo mais. Aí, quando ele faleceu, o Sílvio Santos tinha uma coluna na Amiga, que quem escrevia era o Arlindo Silva, e saiu na página inteira do Sílvio Santos: "Morreu Silveira Lima quem me deu a primeira chance no Rádio e pá pá pá..." Nós fomos em procissão pedir desculpas no caixão do homem... fomos pedir perdão para ele já no cemitério.
 
TV Rio Preto e a criatividade para se manter no ar
Então, a TV Rio Preto tinha esses programas, subsistia como uma emissora independente voltada para lá. Nós íamos para a cidade faturar com o comércio e colocar no ar o Aniversário da Cidade. Nas feiras Agropecuárias, criamos o Minuto da Feira e faturávamos entrevistando stands por stands. Eram maneiras que se criava para trazer o faturamento para a emissora, porque ela não tinha outro subsídio. Alguma coisinha vinha da prefeitura ou do estado, mas muito pouco. Ela vivia daquele comércio. Na verdade o faturamento dela iria equivaler a melhor FM de uma cidade. Era assim que a gente conseguia manter a TV Rio Preto. Obviamente não era uma situação que se sustentasse por muito tempo.
 
Equipamentos da TV Rio Preto
Não tinha. Cabeça de VT era colocada, a gente usava, retirava e guardava no cofre. Para se ter uma idéia, a câmera que a gente usava no estúdio era a mesma que a gente tinha que usar na externa. A câmera era um trambolho com torre de lente... o zoom era criado com uma torre de lentes enormes na frente da câmera. Tanto é que depois que se fazia um foco, você não podia mexer do lugar. Eu lembro de uma passagem numa feira agropecuária, tinha um daqueles boizinhos de exposição que eles levam para as crianças passarem as mãos, uns garrotes todos delicados, né? E estava entrevistando um técnico de uma empresa de inseminação artificial, e comecei a levar uns cutucões nas costas e eu não podia sair do lugar, era o boizinho querendo brincar comigo. E eu: "Pois É! Os seNHOres DEvem estar PerceBENdo que aqui atrás de mim tem um boi... muito bonzinho... ESSe boi..." E eu não podia sair do lugar. Porque estava no foco da lente...
Eu fazendo uma entrevista... Ah! Eu também era entrevistador... cobrindo uma festa, com o microfone da TV, ao lado do prefeito, alguém da rádio falou: "Prefeito eu queria captar o áudio para a rádio..." Aí o prefeito falou: "Ah, pois não! Eu seguro". Aí o prefeito segurou o microfone dele e aí, obviamente na hora que eu coloquei a mão no prefeito, os dois tomaram o maior choque em praça pública. "Está aqui ao meu lado, diretamente da região administrativa da cidade, o nosso querido prefeeeeeeeeeeeeeeeeeiiito!"
Era tudo um ato de heroísmo. Nós chegamos a fechar microlinks, na época, com tela de galinheiro, a antena era feita com tela de galinheiro. Então realmente era uma TV heróica e isso me deu uma base incrível. Foi uma escola, uma grande escola.
 
Venda da TV Rio Preto a Sílvio Santos
Um dia, fui avisado que viriam três pessoas muito importantes de São Paulo que estavam querendo comprar a Televisão. Então falaram assim: "Olha, Homero! Você vai recepcionar essas três pessoas que são muito importantes em Televisão." Eu falei: "Nossa! Mas que honra!", "Não, não! Não fique contente, é por causa do seu carro, mesmo. É o único carro decente para recepcioná-los." Eu era a única pessoa que tinha um carro mais ou menos do ano, um Fusca, mas era o mais novinho da emissora. Eu fui recepcioná-los. Era o Edson Leite; o Demerval Gonçalves, superintendente da Rede Record, amigo queridíssimo até hoje, e o outro eu não tenho mais notícias dele, o nome é Buccarelli, esse eu perdi o contato. Essas três pessoas foram comprar a TV Rio Preto para o Sílvio Santos, então foi o meu primeiro contato, a não ser pela Televisão com alguma coisa relacionada a Sílvio Santos. Fizeram todas as negociações e eu perguntava muito para o Demerval: "Você acha Demerval que se um dia eu for para São Paulo teria alguma chance na Televisão?" E o Demerval me incentivava. Não sei se ele estava certo ou errado, mas deu no que deu. Assim como o Edson Leite que me contava histórias. Na verdade, eu lucrei muito com o contato com essas três pessoas. A emissora foi vendida ao grupo Sílvio Santos e eu fui obrigado a parar as minhas atividades na TV Rio Preto. Estou falando de setenta e quatro.
 

Da Cidade Frente a Frente de Rio Preto à Cidade contra Cidade de Sílvio Santos

Nesse período eu cheguei a fazer um programa com o mineiro José Augusto. A gente se ‘inspirou’ no Cidade Contra Cidade do Sílvio e criamos o Cidade Frente a Frente. Era um programa que trazia bastante retorno de audiência e publicitário que veio substituir o programa do Silveira Lima, já falecido. Foi um programa muito gostoso e isso deu uma base para quando o São José do Rio Preto se inscreveu no Cidade Contra Cidade. Nós criamos uma comissão em São José para representar a cidade, eram pessoas gabaritadas: o diretor de teatro, Odair de Farias; Humberto Senibaldi que era o dono da distribuidora de bebidas; pessoas ligadas a coreografia; enfim, foi criada uma comissão bem heterogênea para promover Rio Preto perante o Cidade Contra Cidade que era o programa de maior sucesso do Sílvio, exibido pela Tupi e pela Record. O teatro onde íamos gravar, era o Teatro Manoel de Nóbrega, na rua Cotoxó, no bairro da Pompéia. Eu fazia parte da comissão e encarregado do quadro Curiosidades de Rio Preto e batia nas dez. Eu ajudava com todos os outros quadros, mas esse era de minha responsabilidade. A semana inteira trabalhávamos em cima dos projetos. O prefeito, que era o Adair Vetorazzo, mandou uma carta para liberar as pessoas do trabalho para que elas pudessem trabalhar em prol da cidade. Eu era gerente de uma empresa de tratores, eu vendia tratores... e também foi uma carta para eles pedindo a minha liberação e tudo mais. Aí viemos para São Paulo e começamos a vencer.
 

São José do Rio Preto bate recorde no Cidade contra Cidade

Vencemos a primeira, a segunda, a terceira e começamos a abrir os olhos da produção... Vencemos a quarta. Vencemos a quinta, a sexta... e a sétima. Rio Preto venceu sete vezes consecutivas no programa. É recorde que nunca foi batido, nem em edições anteriores do programa. E o Sílvio Santos ficava deslumbrado porque a cidade chegava com os quadros prontos. O Sílvio não era patrão de ninguém, então se falava com ele do jeito que quisesse. No meu quadro que era de curiosidades eu tive ‘paus’ incríveis com o Sílvio de falar desse jeito: "Você vai fazer desse jeito, porque senão vou perder o ponto... Como você é o apresentador, você vai fazer como eu bolei o quadro." Ele não era o meu patrão, ele era o apresentador de um programa então eu podia falar desse jeito com ele... Teve algumas coisas engraçadas no meio. Teve um dia que ele me expulsou do teatro porque, nas curiosidades, eu trouxe vários vegetais, milho embrulhadinho um a um, quiabo de sete metros, mamão grávido com mamãozinho dentro, eu juntei um monte de coisas pela rádio, juntei tudo isso, só que falei que era de um cientista maluco de lá de Rio Preto que estava fazendo experiência genética. Quando ele descobriu que não era, ele me colocou para fora: "Seu moço mentiroso..." Ele começou a prestar atenção em algumas pessoas de lá de Rio Preto. Quando Rio Preto encerrou, um dia tinha que perder, tínhamos ganhado sete ambulâncias para a cidade, não tinha doente suficiente para tanta ambulância que a gente ganhou do Sílvio Santos, não tinha mais estacionamento... Quando foi a sétima vez, fui me despedir dele e ele: "Mas como é o seu nome mesmo?", "O meu nome é Homero", "O que você faz mesmo?", "Sou gerente de uma firma de tratores..." Ah tá bom... tchau, tchau... Uma semana depois estava o convite do Sílvio para vir trabalhar com ele. O convite foi para mim e para um rapaz chamado Celso Lui, irmão de um colunista social de São José de Rio Preto. A última notícia que eu tenho é que ele estava fazendo o Show do Milhão. Aí viemos, eu e o Celsinho com a cara e a coragem.
 
O início de carreira na TVS (TV Studios)
Entrei em Agosto de 1977. Entrei para substituir uma diretora do Domingo no Parque e já entrei como diretor. Obviamente sem estrutura para ser, talvez tenha sido uma precipitação. Essa "aventura" durou três meses e o Sílvio me reenquadrou já como produtor do Cidade Contra Cidade que ainda estava no ar e eu iniciei como produtor de externas. Fui conquistando o meu espaço. Passei a ser produtor do Cidade, haviam dois produtores e um diretor, Deto Costa que hoje está na Globo e o Roberto Jorge que já faleceu. Nós trabalhávamos em dois sobradinhos pequenininhos em frente a esse teatro da Rua Cotoxó. Toda a produção do Sílvio se resumia a dois sobradinhos, duas casas transformadas em produtoras.
 
Homero X Gugu
Nós tínhamos uma mesa de vidro muito grande, uma permuta da época com pés de metal e o gaveteiro de lado. O diretor de produção se chamava José Carlos Elbanc, ele me chamou, acho que fazia uns dois meses, mais ou menos, que eu estava trabalhando e me disse assim: "Olha, você vai ter que dividir a sua mesa com uma pessoa" e eu falei: "Mas a gente está tão espremido... é um quarto com três mesas..." Ele falou: "Mas eu não tenho mais mesa. Por favor, eu vou colocar um gaveteiro a mais e você divide a sua mesa com um rapaz que já trabalhou aqui e está voltando." Obviamente, eu odiei de cara ter de dividir. Então, antes que ele viesse, eu sabia que ele viria no dia seguinte... eu fiz uma trilha no meio da mesa com clipes. Eu colei fita crepe e coloquei os clipes em pé como se fossem uma cerquinha. Exatamente no meio da mesa. No dia seguinte chegou o garoto, bem mais novo do que eu. Setenta e quatro, setenta e sete... eu estava com vinte e cinco anos e ele deveria ter seus vinte, dezenove anos... moleque, moleque. Eu virei, apontei o dedo para ele e falei: "Você está vendo essa cerca que tem aqui no meio da mesa? Se eu pegar uma coisa sua deste lado, vou jogar no lixo, ok? Você só tem a metade da mesa. A outra metade é minha, entendeu?", "Claro, claro! Entendi!", "Como é o seu nome, garoto?" e ele: "Meu nome é Augusto Liberato, tem gente que me chama de Gugu." Eu falei: "Ok, seu Gugu! Está bem entendido, se passar um clipes daqui eu vou jogar no lixo, ok? Tudo bem, vamos trabalhar". Quem diria... ele viria a se tornar o meu melhor amigo a quem eu mais admiro!
   
Homero e Gugu
A cerquinha durou dois dias. Eu era produtor de uma cidade, ele era produtor de outra cidade. Ele trabalhava para a turma do Deto e eu trabalhava para a turma do Roberto Jorge. Ele cuidava, por exemplo de Limeira e eu cuidava de Campinas, ele cuidava de São Carlos e eu cuidava de São Vicente e assim a gente fazia o Cidade Contra Cidade. Só que o Gugu cuidava de mil negocios. Você levava ele num barzinho que você freqüentava, ele ia duas vezes com você e pela terceira vez ele já estava por dentro balcão, ele já tinha arrendado o bar. Aí você perguntava, cadê o Gugu, está fazendo um baile... está promovendo não sei o quê... O cara era um avião. Eu fazia a minha cidade e ainda tinha que passar as modificações para a cidade dele. Quando chegava no Domingo, qual era a cidade que ganhava? A dele! Quem nasceu pra Lua! E assim foi o meu relacionamento com o Gugu... saíamos juntos... ficamos muito amigos.
 
Implantação de Projetos na TVS
O Sílvio gostava muito de me colocar nos pilotos de programas para que eu os organizasse. Eu tinha um turn over muito grande de programas. Eu tinha um programa, dali três ou quatro meses o Sílvio me dava outra missão. Eu implantava projetos para o Sílvio e a gente estava se dando bem, como eu sou impaciente para ficar muito tempo fazendo a mesma coisa... Eu adorava! Com isso eu implantei Roletrando, Corrida de Fórmula B, Hot Hot, participei da implantação do Namoro, o Cidade...
Roletrando
 
Hot Hot
"Roletrando"
"Hot Hot"
 
Miss Brasil leva Gugu aos aplausos em frente às câmeras
Em 81 eu comecei a fazer o Miss Brasil, eu fiz até 1987. Era uma vez por ano e não interferia nos meus trabalhos.
Em 81, quando teve o primeiro Miss, o Sílvio havia pedido galãs da casa para fazer aquela valsa com as misses, então tinha o Wagner Montes... uma série de galãs. E eu sugeri o Gugu, o tal de Antônio Augusto Liberato e o Sílvio disse que não, que ele fazia Sessão Premiada e falou: "Não, não! Ele não tem nome ainda, é muito pouco o que ele faz..." e eu: "Sabe o que é, todo mundo gosta dele..." e o Sílvio: "Não, não, não!". Mas eu era o diretor e a coisa foi passando, passando e nunca conseguia fechar os doze galãs. Faltava uma semana e aí o Sílvio: "Mas você ainda não conseguiu fechar os doze?" e eu falei: "Sabe aquele Gugu?" e Sílvio: "Eu já falei..." e eu disse para ele: "Vamos fazer uma aposta?", "Se não der certo são cem dólares de aposta". Eu não tinha para pagar... É claro!
Aí chamei o Gugu, ele ficou muito contente, fomos atrás de um smoking para alugar e eu tinha praticamente as doze finalistas. Você sabe... a que tem maior número de torcida. Tinha uma menina de Santa Catarina, loirinha, uma gracinha, uma bonequinha, pequenininha e que vinha com quatro ônibus de torcida. Então eu falei: "Olha Gugu, você vai ficar com essa menina aqui se ela ficar entre as doze. Se ela não ficar entre as doze, tenho outras opções, mas eu acho que ela uma menina bonita, deve estar classificada e nós vamos ensaiar aqui a sua entrada." E a entrada deles era por trás do cenário, o homem vinha na frente com o ramalhete de flores, ele aguardava, a moça saía, os dois davam as mãos, desciam as escadas e o galã dava um beijinho e se despedia. "Tem um truque aí! Eu que estarei soltando você e ela, na hora que o Sílvio falar o seu nome, você não sai ainda...", "Mas aí o Sílvio vai parar a gravação..." eu falei: "Calma, rapaz! Confia!"
No dia do Miss Brasil, eu fui atrás, cinco mil pessoas no Anhembi, era o maior evento do SBT. Eu com a mão segurando os dois. Deu tudo certinho e a menina foi classificada. E o Sílvio: "Vamos ver agora a miss Santa Catarina com o seu padrinho Gugu Liberato." Na hora que falou Gugu Liberato, eu dei hesitação e a menina colocou o rosto. Na hora que ela colocou o rosto, a torcida dela veio abaixo com aplausos, aí eu soltei o Gugu. Na hora em que ele entrou, pegou carona com todos aqueles aplausos... tinha mais de mil, duas mil pessoas aplaudindo. Aí eu soltei a menina... eles praticamente entraram juntos. E o Sílvio olhou para o lado e disse: "Não é que você tinha razão? Você ganhou cem dólares." Até hoje ele não pagou (risos).
 
 

Primeiros trabalhos do Gugu

Fora a Sessão Premiada, nessa época se eu não me engano ele fazia a Semana do Presidente que era um editorial que o Sílvio fazia.
O Gugu estava mais como apresentador. Mas reclamava muito porque ganhava menos que as mulatas. Tinham umas mulatas no programa que se fossem classificadas de uma semana para a outra, e acumulassem quatro semanas, o salário seria maior que o dele. E eu tinha que agüentar o Gugu na minha orelha: "Eu ganho menos que a mulata que dança... Eu apresento programas... Depois o salário dele foi ajustado e tudo mais.
Homero e suas impressões de Gugu antes da fama
Eu via o talento! Não, eu sentia. Era o meu feelling. Tudo dizia que aquele menino era a melhor coisa real que eu já tinha visto depois do Sílvio Santos. Havia o J. Silvestre, Flávio Cavalcanti na categoria apresentador, mas na categoria animador só tinha Sílvio Santos e Raul Gil. Eu achava que ele era bem jovem, era uma promessa. No convívio com ele, vendo-o fazer a Sessão Premiada. Em 81, o Deto Costa deu algumas entradas de externa na Alegria Oitenta e Um, um programa humorístico. Não sei explicar... são coisas que não dá para explicar. Você sente e pronto.
 
Talento
É onde eu volto no começo da entrevista, ou você tem ou você não tem dom. Você não aprende. Não existe escola para Televisão. Existem pessoas que nasceram para trabalhar em Televisão. Não tem professor, não tem faculdade, que vá pegar um cara que não tenha vocação nenhuma e transformá-lo... Agora, se ele tem vocação, só vai ajudar. Assim como o Gugu fez Cásper Líbero e hoje ele é jornalista, só vem a acrescentar a quem tem talento. Agora se o cara não tiver vocação para a TV... esquece.
 
Nascimento do Viva a Noite
Quando chegou em 82, o Sílvio me chama e diz: "Homero, eu tenho uma amiga que já trabalhou comigo muitos anos atrás, num programa chamado Sinos de Belém – cujo original é Campanas de Cristal da Argentina – essa pessoa é argentina, ela está vindo para cá, ela é muito amiga minha, mas eu queria que você encostasse nessa mulher. Em primeiro lugar porque você vai aprender muito com ela, ela é muito boa; em segundo lugar, como ela não vai ficar aqui no Brasil, ela já te prepara para você pegar o programa... Vai tocando com ela." Eu perguntei: "Qual o nome dela?" Ele: "O nome dela é Nelly Raymond". Essa mulher, além da experiência que ela tinha do Campanas de Cristal da Argentina, veio fazer aqui o Sinos de Belém e também cuidava do Miss na Argentina. Então nós tínhamos algo em comum, foi mais fácil lidar com ela.
Logo na primeira reunião ela fala que quer fazer um programa de Sábado à noite, uma mistura de Saturday Night Fever, com Sabado Fiebre mexicano, Oy Quem Dança es Usted mexicano, enfim, ela fez uma miscelânea de programas para criarmos um programa para os Sábados à noite. O nome que nós criamos foi Viva a Noite. E a primeira missão que nós tínhamos era a de achar os apresentadores. Ela queria três apresentadores. Uma parte do programa seria um Festival Internacional da Canção que se desenvolveria simultaneamente com o Chile, Argentina, Venezuela... no final ficou só Brasil... era um grande paradão musical. Para isso foi fácil porque chamamos o Ademar Dutra que já era do grupo e fazia as externas do Cidade Contra Cidade com o Sílvio e tudo mais. Aí tinham duas outras partes do programa: uma delas eu odiava e chamava-se Noite de Mistério era para falar de esoterismo... Aí ela foi fazer uma grande pesquisa na Bahia, óbvio, para encontrar um apresentador nessa parte. Depois de um mês na Bahia, ela me ligou e falou: "Achei!" Eu falei: "Que ótimo, quem é?" e ela falou: "Ah, o nome é Jair de Ogum" e eu falei: "Mas Jair de Ogum é do Rio de Janeiro" e ela: "Sim. Mas aqui na Bahia todo mundo fala nele..." Depois de um mês na Bahia, ela descobriu um cara no Rio de Janeiro. E faltou uma terceira parte que seria Hoje Quem Dança é Você. Era um concurso de danças. Foi-me sugerido um rapaz que fazia a abertura do Reapertura, um programa humorístico; o Paulo Lopes; eu acho que o outro era o Paulo Barbosa. Essas foram as opções que o Luciano Callegari me deu.
Faltava o terceiro apresentador, eu falei: "Nelly, eu queria te mostrar uma fita de um rapaz que explodiu no Miss Brasil. Um rapaz que tem um carisma incrível..." E eu peguei a fita e coloquei. No hora que ele apareceu, ela falou: "Oh! Ele é Gugu! Foi meu office-boy quando eu fazia Sinos de Belém." E eu falei: "Ééé! Mas veja como ele cresceu, como ele progrediu, como ele está ótimo..." e a Nelly falou: "Bom, não sei... Podemos experimentar!" Eu falei: "Fica tranqüila!" e aí fui falar com o Gugu: "Gugu, eu te arrumei uma participação num programa, mas é pequenininha, mas deixa comigo." E o Gugu: "Tudo bem! Graças a Deus! Obrigado." E fomos criticados pelo Luciano, pelo Ewbanck. O Elbanc disse: "Puxa vida! Com tanta gente de fora para trazer, você vai trazer seu colega de sala? É o que dá deixar na mão de vocês!" Então, a gente saiu meio que desacreditado.
Bom, como eu não gostava da parte da Noite de Mistério e como o Festival Internacional da Canção da América do Sul inteira, estava virando só Brasil... essas duas partes estavam diminuindo e a parte do Quem Dança Hoje é Você que era do Gugu foi aumentando. Aí entra os desígnios de Deus. E o resto é história, aí virou o Viva a Noite com muito sucesso. No começo tínhamos muita liberdade e pudemos ousar muito. Coisas que hoje se chama de ousadia de Marcos Mion, a gente fazia há vinte anos atrás. Eu abria aquela porta e fazia gincana... ‘Venha com a tampa da privada... Venha com o vovô vestido para dormir...’ Isso já era coisa de vinte anos atrás. Então, hoje, muitas coisas que são consideradas vanguarda, o Viva a Noite já fazia. O Viva a Noite foi uma vanguarda dentro do SBT. Você sabia qual era o nosso referencial no Viva a Noite? Uma coisa que ninguém sabia, era Fellini. Só que a gente não podia falar porque não combina Fellini com o popular. Agora, se você for lembrar do Viva a Noite, tinha mão, mala, um anão numa cabine. Na hora de dançar as mulheres tinham uns peitos enormes... Nós éramos puramente fellinianos sem poder dizer ao povo.
Aí o Sílvio Santos permitiu vôos maiores e veio as seqüências de programas meus com o Gugu: TV Animal, Big Domingo, Programa de Vídeo, Cidade Contra Cidade, já quando ele começou aos Domingos...
 
Nações Unidas
 
TV Animal
"Nações Unidas"
"TV Animal"
 
Há um programa recordista em audiência que são os maiores recordes do Gugu até hoje e não foram suplantados por essa fase do Domingo Legal, era o Corrida Maluca.
O programa não de maior IBOPE, mas a minha melhor produção foi o Nações Unidas em que japoneses brigavam contra italianos... foi a minha melhor produção e a que mais me orgulho. Começamos a fazer alguns programas de vanguarda como Play Game, um programa interativo, quando meia dúzia de crianças tinham isso aqui no Brasil... Fiz Realidade Virtual, quando ainda não existia realidade virtual dentro desse programas com efeitos de chromakey...
Eu consegui com que a Tec Toy retirasse o Sonic do jogo e colocasse a criança por meio de chroma. E isso foi uma perseverança minha e do Gugu, de sempre estar na vanguarda, tanto em equipamentos como de idéias.
 
Play Game
 
Domingo Legal
"Play Game"
"Domingo Legal"
 
O amigo Gugu e sua visão empresarial
O Gugu, independente de SBT, me proporcionou viajar pelo mundo inteiro. Participar de feiras em Hong Kong, Estados Unidos, Europa... do bolso dele. Ele me financiava para que eu aprimorasse os meus conhecimentos, para que eu visitasse essas feiras e trouxesse novidades. A gente tinha video wall quando ainda não tinha, a gente tinha helicóptero no Brasil quando ainda ninguém tinha helicóptero.
A gente precisava da infra-estrutura do SBT em termos de equipe, mas as inovações foram todas colocadas por fora. O video wall que era video wall sem ser video wall é uma história engraçada. Ninguém me dava dinheiro para comprar um porque custava uma fortuna na época. De repente, o Sílvio estava em casa fazendo esteira e olha no programa, tinha um video wall de seis metros por quatro no programa do Gugu. O Sílvio quase cai da esteira, liga para o Luciano: "Quem autorizou a comprar... isso deve ter custado a metade do dinheiro da Televisão... e o Luciano: "Estou vendo também... Amanhã eu descubro o que é isso...".
Era um televisor que descobrimos no Japão. Eu e o Gugu ganhamos um prêmio da Corrida Maluca e fomos ao Japão buscar e acabamos descobrindo um televisor que formava dezesseis quadrados picture in picture e um controle remoto que mais parecia um consolezinho de switcher. Então compramos esse televisor e otrouxemos para o Brasil. Chamei o cenógrafo e pedi para ele fazer um raff em madeira. Capturava isso com uma câmera e jogava num chroma de seis por quatro e foi o maior video wall da TV brasileira por um custo quase zero.
Então esse tipo de inovação a gente tinha liberdade para fazer e isso nos deu um desenvolvimento muito grande.
 
Crise de profissão e saída do SBT  
Eu passei um ano emprestado pelo Sílvio para um senador que já faleceu para montar a primeira TV comercial do Estado do Rio Grande do Norte. Fui montar a TV Ponta Negra.
Quando eu voltei não tinha mais o Miss Brasil e o Gugu estava iniciando aos Domingos. E já comecei no Cidade, Corrida Maluca, Nações Unidas, Big Domingo. O Sílvio me requisitou para fazer novos programas e aí eu criei e dirigi o Tentação que ficou doze anos no ar. Enquanto dirigia o Tentação, fiquei seis meses preparando o Domingo Legal fora do ar para entrar já com o helicóptero, com o táxi, com o telegrama legal, tudo que até hoje ainda persiste. Tudo isso foi criado em seis meses por mim e por uma equipe de dezoito pessoas. O Sílvio bancou isso off line, ou seja, fora do ar.
Aí quando chegou em Julho de 1997, eu sabia que em Agosto eu completaria vinte anos de SBT. E me deu uma crise. Aquilo não saía da minha cabeça. Eu acordava dizendo: "Daqui um mês eu vou fazer vinte anos trabalhando no mesmo lugar.... Meu Deus do Céu! O que eu vou fazer? O que será da minha vida? Ninguém vai me deixar ser superintendente, gerente, diretor, porque não vão me tirar do que eu sei fazer bem, que é dirigir programas.
Eu vou ficar velho, dirigindo programas. Não é isso que eu quero para mim. Chega, chega!" Aquilo foi tomando uma proporção absurda na minha cabeça. No mês que eu completei vinte anos eu pedi demissão do SBT.
Eu tinha um contrato em vigor e o Sílvio Santos não me liberou e eu paguei uma multa, em 1997, de cento e quarenta e quatro mil Reais. Paguei para sair. Acho que é a primeira vez no mundo que alguém depois de vinte anos trabalhando no mesmo lugar, paga para sair, porque ele não queria que eu saísse. Graças a Deus, o Sílvio é meu amigo até hoje. Gugu nem se fala, é o meu irmão, é tudo para mim. Também não ficou magoado. Mas forçaram tudo o que eles podiam e não podiam para que eu continuasse. E fizeram propostas irrecusáveis para nenhum mortal que tivesse a cabeça no lugar, mas que foram recusáveis.
Futuro da Televisão
De novo acho que foi a minha intuição. Pois eu saí na hora certa, isso foi em 1997 e estamos em 2002, vou para o sexto ano de produção independente. Acho que o futuro da Televisão é a produção independente. Não acredito na produção das grandes redes. Há exemplos que aconteceram no mundo, principalmente o nosso padrão que são os Estados Unidos. Hoje em dia as grandes redes fazem poucas coisas, assim como o jornalismo. As produções independentes são o futuro, não só da Televisão aberta como a sobrevivência da Televisão fechada e principalmente estamos no linear agora de uma nova transformação da era digital. A partir da hora em que você pode emitir quatro conteúdos pelo mesmo sinal, você precisa de quatro conteúdos para colocar no ar e não há Televisão no mundo que consiga fazer quatro conteúdos para colocar no ar. Os conteúdos, cada vez mais, devem ser requisitados pelas televisões. Hoje em dia, na Inglaterra, 43% dos telespectadores já tem acesso a TV digital, nos Estados Unidos, estamos falando de coisas de três milhões de televisores 16 por 9. Só vem a confirmar essa intuição que eu tive há seis anos de que mais do que nunca seria preciso o conteúdo e quem pode fornecer conteúdo é a produtora independente. No caso, nenhum orçamento de Televisão compete com o meu. Eu sei que sempre vou ser mais barato, eu sei que sempre tenho menos problemas trabalhistas, tenho sempre mais facilidades de produção, eu tenho mais horas de capacitação de trabalhos. Eu tenho edições em horários não convencionais.
As televisões necessitam muito de conteúdo. Não dá mais para fazer programas sem sazonalidades. No mundo inteiro, os programas são sazonais, só aqui no Brasil é que eles não são. Na Espanha, uma equipe está fazendo um programa, a outra já está produzindo o outro. De três em três meses, de quatro em quatro meses estão mudando os programas lá da Espanha. No Brasil entra um programa, fica dois anos no ar. Não existe mais isso. Na hora em que uma Televisão fizer programas com sazonalidades, ela vai ver a grade dela crescer e muito porque as pessoas vão falar: "Opa! Já tem novidade!". E vão esperar para o próximo verão que venha aquele programa da temporada. Então é isso que tem que acontecer aqui. Espero estar vivo até lá. Mas é uma questão de estar plantando agora, eu acho que faço parte dessa semeadura... mas acho que não vou fazer parte dessa colheita. A colheita vai ser para uma próxima leva.
 
GGP - produção independente
A produção dos programas do Gugu sempre foi no SBT.
O primeiro projeto vitorioso de nossa produção independente foi a Escolinha do Barulho, uma idéia do Gugu baseada em reportagens que ele estava lendo. O Gugu é uma pessoa que se sensibiliza com os colegas e no caso estava saindo muitas notícias de humoristas desempregados pela Globo. Pessoas que praticamente estavam caindo no ostracismo.
Na época só existia a Praça e estava limitada. A Globo, Bandeirantes, Record, Rede TV! não tinham programas humorísticos. Então, o Gugu teve a idéia de chamar os humoristas do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Eu contatei o Castrinho no Rio e pedi para ele juntar o pessoal na casa dele. Aqui, eu fui atrás e descolei o Sampaio que foi o redator da primeira Escolinha do Professor Raimundo e em São Paulo contatei o Ronie Cócegas, amigo meu que infelizmente faleceu.
Juntamos esse pessoal de São Paulo, do Rio, convidamos o Elias Abraão da Câmera Cinco para fazer parte e criamos com isso um tripé extremamente interessante. Era um consórcio formado em três partes: a parte técnica representada pela Câmera Cinco, a parte artística e administrativa de vendas constituída por nós da GGP, e os artistas do elenco inteiro constituíram uma cooperativa e passaram a ser uma entidade jurídica. Então temos três entidades jurídicas envolvidas: a GGP, a Câmera Cinco e a Cooperativa dos Artistas Unidos. Essas três partes dividiam despesas e receitas. Produção independente tem isso, você não vai com a cara do sujeito, o serviço não vai render. Então você pode escolher com quem quer trabalhar.
A Escolinha do Barulho andou quebrando alguns recordes, dentre eles, foi o programa independente que teve mais sucesso, fora novelas, tanto no royalty comercial, no contrato com a Record, como nos episódios. Entreguei 544 episódios para a Record. Foram quase três anos em um projeto só. Um erro que eu espero não cometer mais daqui para a frente... Eu vou começar a delegar mais e abrir várias frentes e me resguardar um pouco... Ali também era particular, eu tinha que ficar a frente daquele elenco. Era um elenco muito talentoso mas com uma idade já um pouco alta, personalidade forte!
Foi uma produção muito bem sucedida e isso nos deu incentivo, principalmente à empresa, para que continuemos investindo na produção independente.
 
Produção Independente, hoje
Eu acredito que há dez anos atrás, cogitar uma produção independente, era difícil.
Isto é uma coisa que vai ter que ser implantada paulatinamente com muito trabalho e principalmente com uma vantagem que obtivemos agora, por causa da Escolinha, garantir aquilo que você entrega. Entregar aquilo que você se compromete a fazer.
Hoje na sala de qualquer diretor de programação, há armários e mais armários de projetos. Eles abrem e começam a cair fitas.... Nós que somos uma produtora independente já temos a salinha de projetos. Imagine as grandes redes! Mas tem que peneirar: Qual é a estrutura financeira que essa produtora tem? Qual é o suporte que ela vai poder dar? Quem é que vai dirigir? Quem é o departamento jurídico dessa produtora? Tem que somar mil coisas para a emissora ter garantia da entrega daquele produto e infelizmente houveram já experiências mal sucedidas dentro do mercado.
Graças a Deus, eu entrei com o projeto porque eu tinha um nome por trás chamado Gugu. Quando se via o Homero: "Ok! Está junto com o Gugu". E eu falava se a pessoa não percebesse: "Isso aqui é uma produção do Gugu". Então está aliado a qualidade, a poder... e redime todo aquele problema. Agora não temos só o aval do Gugu, mas também o que demostramos com o sucesso da Escolinha do Barulho, eu posso chegar para uma pessoa e dizer: "Para a Record acabei de entregar 544 episódios. Eles não tiveram um atraso, um problema de censura. Eu comecei com dezoito e terminei com vinte e seis artistas". Geralmente é o contrário: a produtora começa com vinte e seis no elenco e termina com quinze. Eu comecei com dezoito atores e terminei com vinte e seis. Eu refiz o cenário duas vezes, fiz duas trocas de figurinos, pode colocar por baixo, uns trezentos a quatrocentos mil reais. A figurinista é da Globo. Quer dizer, eu estava investindo no produto e não caí em sua qualidade, ao contrário, aumentei. Isso vai dar segurança a outras conversas quando você chega em outra emissora. Agora não é só o aval do Gugu, mas o que eu já demonstrei na Escolinha do Barulho. Se outras produtoras agirem desse jeito, elas vão me ajudar e muito. É o único lugar que quanto mais concorrentes, melhor. Por incrível que pareça, não é chavão. Eu queria que tivessem cinqüenta produtoras sérias, boas, para mostrar que é viável.
 
TV como meio de entretenimento
Uma vez eu fui convidado para dar uma palestra na ECA e nunca mais na vida fui convidado e eu sei porque. Era a época do Ademar Guerra e eu fui para o primeiro ou segundo Simpósio de RTV e fui palestrante. Na metade da palestra eu me despedi do local, olhei bem ‘Nunca mais vão me chamar.’ Porque eu desmistifiquei uma série de coisas. Você vê aquele bando de alunos ali na frente te olhando com aqueles olhinhos sonhadores e você sabe que na Televisão comercial a pauleira é outra. Você tem toda a experiência de cultura. Você sabe que esse pessoal é absorvido pela cultura com muito mais facilidade. E quando chega lá tem que discutir comigo coisas que nunca passaram pela cabeça dele. Ele tem que discutir custos que ele ainda não foi preparado. Ele não foi preparado para custos, ele não foi preparado para orçamentos. Ele não foi preparado para o popular... Então, chegando na metade da palestra eu virei o jogo e eu já sabia que seria execrado na hora em que eu falei: "Vamos combinar uma coisa, existem meios e mídias que foram feitas para determinados fins. Nós estamos falando de uma mídia que não foi feita para educar..." Deu aquele branco. Os professores, o Guerra... "Estamos falando de um meio de entretenimento no mundo inteiro. Quando você virou essa mídia para a educação, suas experiências foram falidas... foram ruins... os telecursos não funcionaram... os ensinos a distância não funcionaram. Ninguém quer aprender na Televisão. Televisão é para divertir. Se você conseguir colocar informação dentro daquela linguagem que a pessoa está predisposta a assistir, você é um gênio! Aí você estará fazendo o seu papel de educador. Agora se você forçar um mídia que não foi feita para aquilo. É a mesma coisa que você querer por exemplo, animar um baile com uma rádio-vitrola. Você vai animar muito melhor com uma orquestra. Veja quais são os meios adequados".
Eu falava muito para as pessoas da percepção visual, acabava entrando na área de semiótica... O campo visual da Televisão não é o mesmo do cinema aonde você está com tudo escuro, focado na tela... Se eu estiver em a frente ao televisor estarei vendo você aqui, ela aqui do lado, estarei vendo a ponta do quadro... A gente não tem culpa daquilo lá ser pequenininho.
Por que o livro não funciona na Internet. Não dá para ler, gente! O último livro que li, terminei ontem, "Uma Mente Brilhante", eu ficava vai para frente, vai para trás... o cara estava falando da teoria da relatividade, falando em teoria dos jogos... Pô! Um troço complicado. Eu folheava o livro, eu voltava... páginas... aonde eu vou poder fazer isso num computador? Não dá! E você não consegue virar com ele na cama. Não dá, ok? Cada um na sua!
Televisão não foi feita para educação, ponto. Isso não significa que você não possa colocar algumas coisas lá.
 
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