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Depoimentos de pessoas que fazem a história da TV.
 
JAIR RODRIGUES
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Alegria é sua marca registrada.
Elétrico é seu modo de ser, parece ligado numa tomada.
Cachorrão, o apelido carinhoso que recebeu no começo de sua carreira.
Esse é o Jair Rodrigues no palco, na TV ou em uma conversa.
Abriu sua casa e dividiu suas recordações em um bate-papo gostoso recheado com fotos.
Compartilhou de sua história pela TV brasileira, dos programas musicais e festivais dos anos 60.
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SORAYA COSTA
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Como foi o início de sua carreira na televisão?
Eu vim para a televisão nos anos 60. Cheguei em São Paulo, vindo do interior, de São Carlos, era crooner. Nasci em Igarapava, no estado de São Paulo que faz divisa com Uberaba, Minas Gerais. Eu vim para São Paulo trazido pelo meu irmão Jairo, meu irmão mais velho, vim para tentar carreira. Entrei na televisão em 1962 a partir da hora em que eu gravei meu primeiro disco e comecei a fazer parte do rádio e da televisão. Então a televisão era branco e preto, eu tive essa felicidade enorme de ser um dos convidados para participar da TV em cores. Então eu inaugurei, participando da TV em cores na Suécia. Fui fazer matéria lá, eu e os Originais do Samba, para a inauguração da TV em cores. Eu sempre gostei do branco e do vermelho e eram as únicas cores que os caras e o equipamento detestavam. Hoje a tecnologia mudou, você pode ir de preto, de marrom, qualquer cor. Mas o vermelho, o branco e o azul... Eu usava adoidadamente o branco. Devido aquilo eu comecei a diversificar.
 
  Falando em roupa, é verdade que você é alfaiate?
Eu fui oficial, aprendi a fazer calças. Eu fui profissional, fui calceiro. Eu aprendi a fazer tudo, eu só não aprendi 3 coisas: gola, manga e a lapela do paletó. Eram as coisas mais difíceis, era o complemento. Trabalhei 5 anos. Até hoje quando eu vou na loja comprar uma roupa, o paletó sempre cai divino, maravilhoso, mas a calça sempre fica curta, mas quando a calça fica curta eu não compro, eu prefiro comprar quando a calça está comprida e aí eu mesmo faço a bainha, prego os botões. Eu aprendi muito cedo, aprendi a fazer de tudo, aprendi a cozinhar, sei lavar, sei passar e sei costurar. Eu aprendi, mas só em caso de muita necessidade é que eu faço. Eu gosto de comida pesada... Eu gosto de rabada, de dobradinha, eu gosto de mocotó, o importante é você tirar aquelas gorduras...
 
Como começaram os Festivais? Quem iniciou?
Foi Solano Ribeiro quem iniciou os Festivais da Record... Foi Solano, eu acho que Nilton Travesso, Manuel Carlos. Eu conheci o Nilton na Record e muita gente. Na TV Excelsior, o Festival de 65, quem ganhou foi Elis Regina com a música "Arrastão". Eu participei daquele festival, mas a minha música era fraquinha, e não obteve nem... a minha música não, a música que eu interpretei. Porque a música era do grande e falecido Capiba.
Capiba era um compositor de frevos, um dos talentos já falecido, lá de Recife. Pernambucano, bom de música... A música chamava-se "Moça na Janela", uma coisa assim. A gente só apresentou e ela nem entrou, nem entre as...  
 
E o Festival da TV Excelsior?
O Festival da Excelsior foi feito lá mesmo, na Nestor Pestana, onde era o canal de televisão, hoje é o Teatro Cultura Artística. Eu soube agora que o Teatro Cultura Artística é lá, mas faz tempo que eu não passo por aquelas bandas.
É ali que eles apresentavam aqueles programas de auditório como o "Show do Meio-Dia", sempre lotado. Era um ponto nobre ali, Nestor Pestana, perto da igreja da Consolação e ainda tinha do lado dali, um outro teatro, o Teatro Opinião. Esse teatro era próximo a Avenida Ipiranga que tem aquele grande hotel ali na esquina... Ipiranga com a Consolação. Eu ia muito assistir Lane Dale, ia assistir até o Caetano quando estava chegando, que eles iam muito naquele teatro. Era um teatro que fazia muito espetáculo com esse pessoal que não estava nem ainda na televisão, estavam começando.
 
Como era a TV Excelsior?
A Excelsior tinha um programa apresentado por um rapaz que depois eu não sei se ele foi para o México, chamado Hugo Santana. Era um grande apresentador, cantava também, e o programa dele chamava-se "Show do Meio-Dia". Apresentava variedades e estava fazendo muito sucesso na época, o próprio Luiz Vieira tinha um programa lá também. Muita gente importante hoje, começou naquela época... Bem, a Excelsior eu não me lembro muito, muito, não. Eu não tenho quase nada a dizer da Excelsior porque nessa época eu tinha começado a gravar. Eu gravei em 62, então eu não tenho muita coisa para lembrar da Excelsior.
 
Foi em 65 que a música ganhou força na televisão?  
Foi uma espécie de continuidade porque a música dos anos 40, 50, principalmente os anos 50 para cá é que a televisão começou a fazer grandes musicais e na época nós tínhamos quase todos esses artistas, esses ícones da música popular brasileira vivos, alguns tinham falecido mas a maioria como: Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Elizete Cardoso, Dalva de Oliveira, Vicente Celestino, Agostinho dos Santos e fora aqueles que estavam aparecendo. Eu não era tão garoto assim, já estava com meus 17, 18 anos e já havia todo esse pessoal no rádio. Antigamente, parece que o rádio e a televisão, os dois faziam as programações. Na verdade, eu considero, não nos dias de hoje, mas na época, o rádio era o maior veículo de comunicação. A televisão estava iniciando, praticamente.
Na época dos anos 50, 60, tudo o que se fazia em matéria de musical, dava certo porque as pessoas certas estavam nos lugares certos. Não é essa parafernália, hoje o cara não entende "bulufas" de música, não entende de nada e de repente é diretor, é produtor, dirige programas. Antigamente não, eram feras, cada macaco no seu galho, se o cara era produtor não ia querer se meter a ser diretor. Vários programas... o próprio "Almoço com as Estrelas" que era apresentado pelo Airton Rodrigues e a Lolita. Um programa, também do canal 7, "Astros do Disco", também era um programa muito bom e tantos outros. Você ia no Rio e tinha "Time Square", tinha programas da melhor qualidade, todos musicais.
 
  Como surgiu a idéia do "Fino da Bossa"?
A idéia do "Fino da Bossa", acredito eu que tenha surgido... Eu tenho duas versões. A primeira quando eu conheci a Elis, pessoalmente, que foi no programa "Almoço com as Estrelas". A amizade começou a partir dali, eu ia sempre para o Rio porque eu estava com um grande sucesso com a música "Deixa que digam e que pensem...", em 64. Então a gente fazia aquelas pontes aéreas e sempre tinham aqueles corujões, aqueles aviões que faziam a ponte aérea e que o último avião era a meia-noite. A gente saía a meia-noite lá do Rio e daqui saía a meia-noite também. Então sempre estávamos cruzando com outros artistas. Ou ia ou vinha, a gente se encontrava no avião. Foi no "Almoço com as Estrelas", eu era considerado o garfinho de ouro. Todo bendito Sábado, o Airton Rodrigues fazia questão que eu estivesse no programa. Ele dizia: "Você alegra muito o programa. Nós estamos instituindo aqui um troféu e a gente quer que você ganhe o troféu Garfinho de Ouro". Aí eu respondia: "Dá impressão que na minha casa não tem comida!". Airton dizia: "Não, não, não, vem para cá".
E num desses programas... era almoço sim, não tinha miséria não. Era um almoço mesmo! Era feito na TV Tupi, no Sumaré... Tinha "Clube dos Artistas" que era apresentado, eu acho que as sextas-feiras... era a noite. E aos sábados era o "Almoço com as Estrelas". Quem ia no Clube depois ficava no Almoço. Depois eu fiquei conhecendo a Elis, eu estava andando no corredor para entrar no programa.
Até aconteceu um negócio muito interessante. De repente, uma menina veio pedir um autógrafo: "Lá em casa nós somos seus fãs, sou sua fã, gostaria que você me desse um autógrafo". Essa fã era Elis Regina, ela me pediu um autógrafo, aí eu assinei. Aí eu falei "Eu estou ouvindo falar já muito em você". Ela também estava em princípio de carreira... As coisas que aconteciam no Rio não chegavam assim com tanta pressa em São Paulo e vice-versa.
 
O centro produtor de televisão era em São Paulo?
São Paulo era o começo de tudo e o Rio era o leque. Você se apresentava no Rio e era um passaporte, como até hoje. Mas antigamente era mais, não sei se ainda continua, eu acho que agora mudou tudo, agora é aqui. O centro é aqui. Você pode aparecer na Bahia, pode aparecer, enfim , no Norte, Nordeste ou em todo o Brasil, mas o centro da música, de tudo o que acontece, é aqui, São Paulo. Mas o Rio continua sendo ainda aquele leque. O Rio é uma cidade turística. Ali você sempre encontra empresários de fora, do exterior. Então o Rio é como se fosse o Maracanã para os jogadores de futebol, para os músicos. Você se apresentou, de repente já tá lá fora. Ainda continua sendo o leque. Mas as coisas todas são daqui.
 
Continuando sobre o "Fino da Bossa"...
Só para complementar sobre o Fino da Bossa. Até naquela manhã o Airton Rodrigues fez uma brincadeira com a gente de botar dois artistas para cantar sem acompanhamento, sem nada... Improviso... Resolveu improvisar comigo e com a Elis. Ele falou: "Eu estou aqui com dois artistas que são iguais, parecem dois irmãos siameses. O que um faz, ela sorri, o Cachorrão também sorri". Porque ele me chamava de Cachorrão e a Elis de Pimentinha. Então ele botou a gente para cantar.
Nós fizemos uma farra aquele dia no programa. Eu sei que ela cantou "Deixa que digam, que pensem, que fale, deixe isso pra lá..." Ela estava fazendo sucesso, não sei se era "O menino das laranjas", não sei se era "Upa neguinho". Só sei que quando ela estava "Deixa que digam...", eu não sei, não me lembro se foi "Upa neguinho na estrada" ou "O menino que vai pra feira, vender seu...". Só sei que fizemos uma salada, que era um pout pourriè. Fizemos um bem bolado e deu certo. Aí eu acho que o outro apresentador e produtor chamado Walter Silva, o Pica Pau, me chamou para fazer uma apresentação no teatro Paramount e combinou com meu empresário e aí eu fui no Teatro Paramount que era na Brigadeiro Luiz Antonio e lá estava Elis Regina e o Trio chamado Jongo Trio. Aí a gente ensaiou e tudo. O Walter até deu a idéia... por isso que eu falo do produtor, as pessoas sabiam o que estavam fazendo, não o cara só querer mandar, não. Ele falou: "Tá bom demais, o espetáculo tá maravilhoso, o ensaio... eu acho que isso aí vai arrebentar. Só para gente terminar, vocês podiam cantar uma música juntos, ou várias músicas". Aí a gente criou aquele famoso pout pourriè "Dois na Bossa". Até escrevi os nomes das músicas, porque a letra e a melodia a gente sabia, mas a entrada das músicas, eram 12 ou 13 músicas naquele pout pourriè, então era difícil a gente guardar tudo.  
Então o Fino da Bossa deve ter nascido dali porque logo em seguida eu fui contratado pela TV Record e a Elis também. E a Record começou a contratar os grandes artistas que já faziam sucesso e os artistas que estavam começando como eu, Elis, Simonal, Zimbo Trio. Eles contrataram, aí depois foram dividindo a produção, a direção, e criando os programas. Eu sei que para mim e Elis, sobrou o "Dois na Bossa". O nome do programa era "O Fino". Primeiro era o "Fino da Bossa", depois virou só "O Fino", porque o "Fino da Bossa" era de propriedade, acho que do Walter Silva, o Pica Pau. Depois que o Walter retirou esse nome ficou só "O Fino".
 
Teatro Paramount   Walter Silva, o Pica Pau
 
Como eram os contratos com os artistas?
Não podíamos aparecer em outras emissoras, era um contrato exclusivo. Só quem poderia eram os free-lancers. Os contratos exclusivos eram: eu, Elis, Zimbo Trio, Caçulinha, o Quinteto do Luís Loy e mais alguns que no momento eu não me lembro e agora os convidados como o Tamba Trio, Luís Carlos Lyra, Agostinho dos Santos, Ataulfo Alves, Adoniran Barbosa, esses poderiam fazer todos os programas, mas nós éramos exclusivos.
 
Jair e Ataulfo Alves
 
Como era o programa "Fino da Bossa"?
Era um programa todo musical. Tinha 4 produtores, era o Manoel Carlos, o Solano Ribeiro, Nilton Travesso, o Tutinha que era o Tuta, filho do dono da TV. Também fazendo alguma coisa assim por fora, o Zuza Homem de Mello. Você vê que eu estou falando só de fera. Tudo era um começo, estava todo mundo começando, cada um na sua área. Era lá na Record da Consolação. Era um programa que dava o script uma semana antes para gente, com o nome dos artistas, suas histórias, era tudo muito bem feito.Quando chamava um Dorival Caymmi, um Orlando, uma Elizete, a gente já sabia o histórico. Como você vai conversar com um Dorival Caymmi e assim por diante e não sabe nada sobre ele. Como nos dias de hoje, as pessoas vem te entrevistar e não sabem nada, não sabem sua vida.Ali não, além da gente saber, nós tínhamos obrigatoriedade, principalmente eu, que sempre fui um crooner, de saber tudo, mesmo se vinha um artista começando e um outro consagrado.Mesmo conhecer as músicas, para você não correr o risco de dizer "Eu gosto dessa música" aí canta e o cara fala "Essa música não é minha"...
  Mesmo na televisão, os caras falam essa música é da fulana de tal, não minha filha, ela é intérprete, a música é de fulano ou de beltrano. Por exemplo, eu não sei se vocês ouviram falar num compositor chamado Lúcio Cardim. Esse Lúcio Cardim tem um clássico que o Jamelão canta "Quem sou eu pra ter direitos exclusivos sobre ela". Um dia eu estava vendo dois cantores e aí foi num programa até do Silvio Santos. Aí uma cantora e um cantor, eles estavam cantando isso. Aí o Silvio falou: "Puxa vida, essa música é bonita... Lupicínio, né... Lupicínio Rodrigues estava com uma inspiração para fazer uma música dessas." Aí eu estava vendo e falei: "Pô, mas essa música não é do Lupicínio Rodrigues". E a cantora, eu acho que não se lembrava também, não falou nada. Me deu uma vontade de ligar para lá e dizer que a música não é do Lupicínio Rodrigues, mas sim do Lúcio Cardim. Tantas músicas que mudam de compositor...
De fato a televisão informa muita coisa como o rádio. O rádio como a televisão, antigamente, tinham a preocupação de não acontecer essas coisas, eles diziam: "E acabamos de ouvir...", vamos supor, "Jair Rodrigues interpretando de Geraldo Vandré e Théo de Barros – Disparada" e assim por diante.
Um dia eu estava indo para o interior de São Paulo e me liguei num locutor de voz bonita, de voz bem impostada e aí estava tocando "Majestade, o Sabiá". Quando a música acabou de tocar eu escutei assim: "E ouvimos de Miranda..." Eu falei: "Pôrra, de Miranda, gozado, bem íntimo, né?". "De Miranda, participação Chitão e Xororó, com Jair..." Ele nem falou com Jair Rodrigues... "Com Jair, Sua Majestade Sabia". Puta que o pariu, sabia o quê? Eu quase caí do banco, todo mundo riu. Falando mesmo, na intimidade. "Ouvimos com Jair, de Miranda, participação Chitão e Xororó, Sua Majestade Sabia"... Então, você vê, bota uns caras que não sabem nada.
 
Voltando ao programa... havia ensaio?

Nós recebíamos a informação que o ensaio seria, tipo 8, 9 ou 10 horas da manhã. O programa era gravado 8 da noite. Era gravado nas segundas-feiras e ia ao ar na quarta-feira. Quando marcava entre 8 e 10 horas da manhã era só para o pessoal de São Paulo e os artistas que moravam no Rio e que estavam escalados para participarem do programa, marcavam meio-dia. Chegava lá e estava toda a orquestra, tudo montado, tudo legal, cara.

Cada vez que a gente recebia um script, eu e a Elis nos comunicávamos e sentávamos, líamos o script. O script a gente tinha na cabeça, mas a produção dizia: "Isso aí é só o esboço, então você usa sua capacidade criativa. Cria tudo em cima disso aí". "Improvisa, vocês não são obrigados a obedecer tudo isso aí não, é uma base". "Deixa com a gente". A ordem de entrada dos artistas, não modificava nada. Só de algum artista que às vezes não dava para chegar, acontecia alguma coisa, porque sempre os aviões ou não podiam levantar vôo ou descer, problema do tempo, aí a gente modificava. Mas todo mundo se apresentava dignamente, se o sujeito ia cantar duas ou três ou quatro músicas, cantava. Era orquestra, conjunto, regional, trio. Tinha um maestro, arranjador para tudo aquilo. Quando terminava um programa, já começava-se a criar outro. "Agora, para semana que vem quais são as músicas que vocês vão cantar?". Era um show por semana e bem montado, super variado.

 
Disco "2 na Bossa"
 
Você e a Elis que tinham um jeito muito parecido, como era trabalharem juntos?
Era uma coisa tão bacana, porque os dois juntos era a fome com a vontade de comer. E separado também era uma festa. O público via, o público me adorava separado e junto com a Elis e a Elis também, o público adorava a Elis separado e junto comigo. Era uma força, era uma união, era uma energia do público com os artistas. Éramos todos unidos e não sabíamos, porque era uma força muito grande. Não era só Jair e Elis, e Elis e Jair, era todo mundo que participava do programa. A gente fazia até coro! De repente, tinha um artista cantando lá, a gente também ficava em off e cantando junto. Sabe, fazendo um back. Era uma coisa assim extraordinária. Você falou bem no começo, o "Fino da Bossa" vai com certeza, já está, na história da Música Popular Brasileira... foi um marco das programações da TV.
 
 
 
 
Como era o dia-a-dia, sempre corria normal?
Como marido e mulher, às vezes surgia uma discussão besta. Uma coisa normal. Houveram muitos ensaios que já tinha o público. A gente ia para o ensaio às 10h da manhã e o público já estava lá. Era incrível, eram filas de dois a três quarteirões para assistir o "Fino da Bossa". Tinha nego que ficava 5, 6 horas na fila. E quantas e quantas vezes durante o ensaio, às vezes, estava começando, cada artista que passava ali, o público aplaudia e isso acabava atrapalhando quem estava ensaiando. Até uma vez, eu acho que a Elis estava ensaiando e eu passei, não vim pelo palco, eu vim pela porta de entrada da platéia. Então quando me viram, me aplaudiram, "Cachorrão!", e parece que atrapalharam um pouco a Elis e ela me chamou a atenção. "Você não tá vendo que a gente tá ensaiando, pôxa?" E falou uma bobagem que eu não gostei, aí eu chamei ela no canto "Não fale desse jeito comigo não, que eu te enfio a mão na orelha". Eu falei assim, né, falei o que veio na telha. Tanto eu podia xingar ela de outro nome, mas eu falei aquilo ali que me veio. Aí ela levou aquilo a sério e de repente começou a chorar e aí me pediu desculpa. Eu falei: "Não, isso aí é como marido e mulher, isso acontece mesmo, eu não tive culpa, eu entrei para subir aqui no palco, para nós ensaiarmos, mas o público... Culpado é quem abriu as portas para o público entrar." A partir dali foi proibido ver o ensaio, o ensaio foi feito a portas fechadas, só mesmo quem tinha acesso eram músicos, jornalistas e imprensa.
 
Alguma situação inesperada?
Tem uma coisa muito legal que fizeram, foi idéia da produção, de fazer uma espécie de teatro com a música. Eu acho que o primeiro teatro feito, o nosso, interpretando mas cantando... como se fossem óperas, musicais. Então pegamos o "Suíte dos Pescadores" do Dorival Caymmi: "Minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar, meu bem querer..." E aquilo foi uma coisa que até hoje a gente lembra. A gente ia normal, não tinha aquele negócio que para interpretar tem que vestir de pescador, nada disso. A gente vinha e fazia. De repente, resolvemos fazer uma homenagem aos ícones da música popular, então pegava Adorniran Barbosa... o primeiro feito foi com o Dorival Caymmi. Nossa! Ataulfo Alves e assim por diante, pegava-se a música de maior sucesso dele e a gente fazia um teatro. Muito, muito legal, legal mesmo. E por um outro lado, também as coisas que aconteciam. Me parece que aconteceu uma vez um lance com o, eu acho que foi João Gilberto. O João era aquele cara, sempre foi esse sujeito maravilhoso como músico. O João Gilberto sempre foi um camarada que sempre me tratou muito bem, sempre teve uma tremenda consideração comigo, inclusive... Agora, para ser um pouquinho mais aquariano, quando meu filho foi para os Estados Unidos estudar, dois artistas deram uma força muito grande: um deles foi o João Gilberto e o outro foi Elmir Deodato, os dois estavam nos Estados Unidos. Foi uma força muito grande que deram para o Jairzinho, para ele entrar definitivamente na escola fortíssima chamada Berckley. O João tinha mania de não ensaiar e falava o que ele queria: "Ah, eu vou cantar. Eu e violão". Então tudo bem, só voz e o violão. Estava lá tudo preparado, iam buscá-lo no hotel para se apresentar. Ele sempre foi muito rígido nos horários, ele chegava no horário marcado. Aí, de repente ele começou a não tocar e dizia: "Eu gostaria da presença do Milton Banana". Milton Banana era um baterista que sempre acompanhava ele, mas ele não tinha pedido, pediu só voz e violão. Agora vai pedir o Milton Banana? A Elis, eu acho que ficou invocada: "Mas pôrra, o que é isso?" Mas aconteceu um lance muito legal, que ele começou a dedilhar, isso aconteceu também com o Paden Powel; ele começou a dedilhar o violão e o público começou a aplaudir, pensando que ele estivesse tocando. Então, pela primeira vez na vida eu acho que ele fez um concerto ali só afinando violão... Ele estava fazendo hora, porque ele havia pedido o Milton Banana (era do Milton Banana Trio, baterista que montou um trio com sucesso absoluto no Japão, nos Estados Unidos, em toda a Europa, era muito conhecido). E o Milton sempre acostumava acompanhar o João. Era o João Gilberto, voz, violão e bateria. Porque o Milton se especializou naquele lance de Bossa Nova e a batida dele era maravilhosa e o João Gilberto gostava daquilo com o violão, parece que a batida e o violão do João se casaram junto com a voz. Só que o João não pediu e ele começou a fazer hora ali, dedilhado. Agora se vira meu. E o Milton Banana estava não sei aonde, sei lá, estava viajando. Acho que não estava nem no Brasil. "Agora você vai se virar, não tem Milton Banana, se vira". Aí ele pegou o violão, fez alô, testando o microfone e começou a afinar. Na afinação aplaudiram ele.
 
  Tem mais alguma história?
Não foi no "Fino da Bossa", aconteceu uma coisa assim com o Agnaldo Rayol.
O Carlos Manga que era produtor do programa "Show do dia 7", todo dia 7 tinha um show e o Carlos Manga preparou um final apoteótico para o Agnaldo Rayol que era a "Dança dos Cisnes" e o Agnaldo entrava. Transcorreu o programa normalmente, mas o final era aquela apoteose, aquela cachoeira. Inventaram uma cachoeira, o lago dos cisnes e o Agnaldo Rayol vinha cantando, e envolvido pelas bailarinas, todo mundo de branco e aí precisava de, enquanto não ficava pronto o cenário, o Carlos precisava de alguém, botar uns artistas para encher lingüiça. Aí os artistas que vieram encher lingüiça: Jair Rodrigues, Elis Regina, Elza Soares, Originais do Samba, Caçulinha e Zimbo Trio. Aí fizemos um auê, já nem sei se foi sacanagem de nossa parte.
Entrar para encher lingüiça, para completar cenário, peraí! Então vamos fazer um negócio aqui, cada um cantou uma música, aí de repente quando nos avisaram: "Oh, vão cantando aí que a gente avisa quando tiver tudo pronto". Aí quando estava tudo pronto, nós saímos pela platéia, aí o final apoteótico acabou sendo nós porque quando nós saímos pela platéia afora, o público saiu junto. Aí estava todo mundo lá fora. Não sei se ele cantou ou se foi feito, não lembro mais de nada porque dali a gente estava puto da vida porque pôrra... Na nossa época a gente era contratado, mas também não era para encher lingüiça, né. Fomos embora e o público também foi. A gente não soube o que aconteceu depois.
 
Como terminou o "Fino da Bossa"?
O programa "Fino da Bossa" ele teve um bom princípio, super meio, agora o final do programa foi meio sem graça. O programa durou 2 anos, durou quase três, mas com a criação de novos programas, a coisa foi ficando dividida, de repente "Jovem Guarda", "Boa Saudade". Nós já éramos obrigados a nos apresentar em todos os outros programas e os produtores foram produzir outros programas, a cabeça deles ficaram mais divididas. Também a continuidade do Festival pela Record, que começou lá na TV Excelsior, começou a dividir mais ainda. Nós, os artistas, principalmente Jair e Elis, a gente começou a ficar com medo daquilo virar dupla. Nós não éramos dupla, então eu tinha uma necessidade muito grande de seguir a minha carreira solo, como a Elis também. Podia haver um perigo de um cair e levar o outro junto e o público vai associando. Então a gente queria que o público continuasse naquela forma de gostar do Jair individual, da Elis individual e dos dois. Então a gente começou a notar que os shows estavam ficando meio difíceis porque as pessoas não queriam o Jair sozinho e não queriam a Elis sozinha. Então era um lance de dupla, Jair e Elis tudo bem, mas quando... estava ficando difícil de contratar só a mim, contratar só a Elis, tanto é que queriam contratar os dois. Quando o clube contratava, sempre os caras: "Ah, porque não trouxe a Elis" e assim vice-versa: "Ah, porque não trouxe o Jair". "Ah, sem a Elis não tem graça... sem o Jair não tem graça". Então a gente começou a ficar incomodado com tudo aquilo. Vamos então acostumar o público a não nos ver juntos na televisão. Aí, a Elis entrava para apresentar um programa e ficava um tempo sozinha e quase para terminar o programa, eu entrava. E no outro programa acontecia isso, eu entrava, apresentava, quando o público começava a sentir, aí a Elis entrava. Num outro, nem eu, nem ela, não aparecíamos, outros artistas apresentavam. O público foi sentindo isso e foi, realmente, se afastando. Tinha dia que tinha meia casa lá. Se o programa começou com 100% de audiência, acho que terminou com 20. O público aí foi se afastando, mas foi bom para a nossa carreira, super bom. O público chegava lá querendo ver aquela alegria, chegavam lá e embora outros artistas de uma tremenda de uma categoria apresentassem o programa, já não era a mesma coisa. Aí a gente começou a lembrar até de um slogan "Quem engorda o gado são os olhos do dono". O povo ia lá, não via! Aquele programa era nosso, não importava, podia vir Sinatra e podia vir, na época, Cauby, Agnaldo, Simonal que era uma sumidade, mas o público queria ver Jair e Elis, nós éramos os condutores do programa, os apresentadores. Foi bom. Terminou o "Fino da Bossa", saiu do ar mas a empatia continuava. Minha carreira depois do "Disparada" deu uma dispara terrível e a Elis também.
 
Você continuou a ser crooner com todo esse sucesso?

Eu deixei de ser crooner no final dos anos 60, quase 1967. Eu tinha todo aquele sucesso e ainda trabalhava na noite. Fui expulso, inclusive, pelo dono da casa que eu cantava, da boite Star d'Art, os donos eram Hugo e Alan, eram dois amigos que montaram essa casa. Quando eu chegava lá, me chamaram no escritório: "Nós não queremos mais você aqui, não". "Mas, por quê?". "Porque você está dando prejuízo aqui para nós". O público ia, lotava a casa para ir ver o Jair Rodrigues e quando ele não aparecia, os freqüentadores não pagavam porque se sentiam lesados: "Como eu vou pagar a conta se eu vim aqui para ver o Jair Rodrigues e ele não veio?". E não pagavam a conta e eles acharam por bem me mandar embora. "Agora nós estamos te mandando embora, mas quando você quiser dar uma canja, vem para cá".

 

E os Festivais da Record?

Eu era contratado pela Record e tinha aquela obrigatoriedade de me apresentar em todos os programas em que eu fosse chamado. Eu fui chamado para defender uma música. Quando eu cheguei, estava a música no envelope, a fita e a letra. "Essa música foi classificada, então você vai ser intérprete dela". Então, quando eu abri o envelope, toquei no meu gravador, era uma música do Paulinho da Viola chamada "Canção para Maria". Aí comecei a ensaiar a música. Aí eu peguei essa música, quem fez o arranjo foi o Quinteto do Luís Loy.

Um dia, o Wilton Accioli do Trio Maiará apareceu em casa. Eu morava ali na Rua Aurora, quase esquina com a Avenida São João, bem ali na boca do crime. Aí ele foi lá em casa:
- "Você já tem a música para se apresentar no festival?"

- "Já, a música de Paulinho, ´Canção pra Maria."

Aí ele falou:
- "Não, é que eu vim aqui porque a gente está procurando um intérprete para defender a música do Geraldo Vandré porque ele não vai poder. A música vai entrar no princípio, na primeira eliminatória. Então, o Geraldo não vai poder se apresentar porque ele vai ter que fazer um trabalho com a Rhodia. Ele teve que fazer uma tournèe".
  O Geraldo Vandré estava procurando alguém e mandou o Wilton procurar e o Wilton veio direto a mim: "Só tem um intérprete para essa música, que é o Jair Rodrigues". Até me lembro que o Geraldo Vandré ficou meio assim porque eu era muito extrovertido, muito divertido, como sou graças a Deus até agora, brincalhão. Eu gostei da música que o Wilton Accioli me mostrou, era a música "Disparada": "Prepare seu coração, pras coisas...".
E eu notei que quando o Wilton estava mostrando a música pra mim, os vizinhos de apartamento, desceram todos, quem ouviu desceu. A gente estava ensaiando assim na escada e daqui a pouco encheu de gente. Foram os vizinhos, a minha mãe: "Ai meu filho, que música bonita!".
Aí eu peguei a música para defender. Aí fiquei ensaiando com o Quarteto Novo.
Então o Geraldo mandou um recado: "Olha, você não vai brincar com a minha música, minha música é séria". Na verdade, por um lado ele tinha razão, porque a música dele, talvez essa música seja a música mais subversiva, mais de protesto de todas, até um pouquinho mais do que "Pra não dizer que eu não falei das flores". Agora, o Geraldo se deu bem, por um lado por ele não ter ele próprio defendido essa música porque ia causar problema para ele. Ele defendia essa música como se ele tivesse guerreando, como se tivesse matando todo mundo ou todo mundo matando todo mundo. Então ele era proibido, não era nem a música, era pessoal, Chico, Geraldo, Caetano, eu acho que Gilberto, próprio Edu Lobo e muita gente tinha. A censura tinha essa "pilimba". Aí no princípio da apresentação, a gente já estava no meio da música, o povo já estava gritando, aquela gritaria geral: "Já ganhou!". É por isso que eu digo que foi bom para o Geraldo Vandré não apresentar essa música, ia dar problema e foi bom para mim, e bom para música em si porque eu consegui. Eu nunca tive problemas com a censura, nunca. Outra coisa, eu consegui fazer com que essa música mudasse o rumo, trouxe a música do lado medieval, do lado do mato, do lado do caipira, do lado do sertanejo. Foi uma das primeiras vezes que o público ouviu, aquele ritmo daquele instrumento chamado queixada que era uma coisa feita da mandíbula do burro e foi muito bem tocada, não só pelo Airton que foi o inventor disso como também pelo rapaz ritmista, percussionista, chamado Lenine. O povo tomou aquele susto, aquele impacto e o impacto das violas com 3 sujeitos tocando maravilhosamente e um trio fazendo vocal, o Trio Maiará. E a surpresa do Jair Rodrigues em defender uma música daquela. O público começou a rir quando eu entrei no placo: "Oh, cachorrão!". De repente, me coloquei no palco de uma maneira, fechei a cara e vivi aquele momento de interpretação da música. E o povo entendeu, quando fala "na boiada já fui boi", o povo viu a boiada passar. Na verdade essa letra não fala de boi, foi só para disfarçar. Na verdade é uma tremenda de uma música, todo mundo já sabe, né, principalmente, os maiorais na época sabiam disso. Mas como eu dei um sentido diferente, tanto é que quando a música veio para rua já gravada comigo e com o Geraldo Vandré, eu fui fazer uma divulgação nas emissoras de rádio e tinham baixado uma portaria com os seguintes dizeres: "Proibida a execução pública em todo o país da música ‘Disparada’, por seu autor". Todo mundo podia cantar, menos ele.
 

"Disparada" marcou sua carreira...

Eu ouvia muito Ataulfo Alves, Ciro Monteiro, Vicente Celestino, esse pessoal que vinha, o Sílvio Caldas. O Silvio Caldas, antes dessas músicas todas que apareceram na minha vida, ele disse: "Olha garoto, você tem muito talento, você vai ser um artista muito feliz na sua carreira. A gente está vendo aqui que você é muito bem cuidado e ainda vai aparecer uma grande música porque todo o artista tem a necessidade de ter um carro chefe". Como ele tinha "Chão de Estrelas", ele disse: "Sua música ainda não é essa ‘Deixa isso pra lá’, a música da tua vida ainda vai aparecer". E um ano depois ou dois anos depois apareceu "Disparada" e ele ligou, ligou não, nós estivemos juntos e ele falou: "A música da tua vida é essa. Essa é teu carro chefe. Agora você pode acreditar numa coisa que eu estou dizendo, você está fazendo parte da Música Popular Brasileira a partir de agora, como intérprete". E realmente. "Disparada" ajudou principalmente a mim que estava precisando de uma coisa assim.
 
 
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