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Especial
RENATO CÔRTE REAL - Primeira Parte
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No
dia 06 de Outubro de 2002, Renato faria 78 anos.
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Não
podíamos deixar de dar os parabéns ao artista que
tanto alegrou esse país.
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A
sua capacidade de perceber o mundo e transformar em engraçadas
caricaturas, as características que filtrava na rua, fez
desse grande homem de televisão, um dos maiores autores de
humor da TV brasileira.
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Nas
noites de Sábado, Renato continua nos alegrando com Santinha
e Epitáfio, em Zorra Total da Rede Globo, criado por ele
há mais de 40 anos.
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Mauricio
Valim e Soraya Costa
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Ricardo:
Estamos aqui
mais uma vez na companhia dos Valims, tudosobretv.com.br, e estamos na casa
do Ju Côrte Real. É uma casa, é um antiquário,
é também um atelier. Qualquer hora dessas vira um museu. E
a gente tá aqui para falar sobre o Renato Côrte Real junto
com a pessoa que junto com o Renato fez o Ju e o Ricardo:
D. Bisu Côrte Real. Dia 06 de Outubro, o Renato faria 78 anos e a
gente pretende com esse depoimento resgatar um pouco da história
dessa figura, da televisão brasileira, do ser humano, enfim é
por aí... aliás dia 06 de Outubro, quando você for ler
esse depoimento provavelmente nós já vamos saber quem é
o presidente do Brasil. Então eu acho que poderia começar
um pouco sobre o Renato dos tempos pré-televisão, a D. Bisu
fala. |
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Ju,
Bisu e Ricardo
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Bisu:
Eu conheci
Renato quando nós tínhamos 13 anos. Renato foi crescendo,
virou moço, homem, artista, uma pessoa super conhecida. E uma coisa
ele teve, ele nunca mudou. E uma vez me perguntaram em uma entrevista, como
eu definiria o Renato. É um homem bom. Ele sempre foi bom, desde
menino... Ele sempre foi engraçado, sempre fazendo alguma coisa que
a gente acabava dando risada e acima de tudo, ele sempre foi muito bom.
Então, eu acho que ele fazia isso para agradar as pessoas, não
só porque ele gostasse de ser engraçado, mas com isso ele
trazia a felicidade para as pessoas... Nós sempre moramos mais ou
menos perto. Nós morávamos em Campinas... Nós namoramos
com 13 anos, era mais brincadeira, logo desmanchamos o namoro. Namoramos
outra vez com 14, 15 anos e aos 18 a gente voltou, mas decididos a voltar
mesmo. E aos 21 nós casamos... Nós estávamos casados
há oito anos, ele se enfiou em um programa de calouros. Me lembro
por causa da dor de estômago que eu senti. Ele imitou uma garota propaganda
e ganhou o prêmio da noite e uma semana depois ele estava trabalhando
como profissional... Por exemplo: quando a gente precisava tomar uma injeção,
ele aplicava a injeção, certo. Só que ele se fantasiava
de médico louco (risada dos filhos). Tudo na vida dele, ele
fazia desse jeito. Então, eu sabia que ele era engraçado,
mas eu não sabia que ele ia se tornar um artista, que ele ia se enfiar
em uma televisão! |
Ricardo:
Ele era performático, né? |
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Bisu:
Ele fazia graça de graça. Só
que aí ele resolveu fazer graça, ganhando alguma coisinha...
Bom, acho que primeiro eu tinha que me administrar porque eu não
gostava de trabalhar na televisão. Eu não gostava, eu
fui por puro companheirismo. Era uma atividade que o Renato tinha
e que na qual eu não tomava parte, e quando eu tive a oportunidade
de entrar junto, eu fui e eles foram também. |
Ricardo:
O nome do programa que Renato participou foi
"Prêmio ou Castigo" e que tinha aquela história
do anjinho que levava o calouro pro céu, se o calouro fosse
bem no programa e o diabo que o carregue se ele fosse mal no programa,
ou então se ele ficasse na Terra mesmo, que ele era um candidato
médio. Então, o anjinho levou o Renatão, e ele
ganhou o prêmio e ainda o contrato para trabalhar na emissora. |
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Bisu:
A Biloca que era a que eu mais fazia com ele, ela era muito burrinha, e
eu não sou tão burrinha assim! (risos) Ela era meio
boboca, muito inocente, ela entregava o Renato, ela fazia coisas horríveis,
assim porque ela era meio boboca, mesmo. |
Papai Sabe
Nada
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Ricardo:
Ela era meio Biloca! (rindo) |
Bisu:
É, ela era meio Biloca, mesmo. |
Ju:
A Biloca era tonta. |
Bisu:
Ela era tontinha. Eles (os filhos)
não me sacaneavam nunca, se não eu meteria a mão
neles. |
Ricardo:
A Bisu, segundo o Renato, a princípio pensava-se que fosse
uma princesa, não é isso? |
Bisu:
Era uma princesa, depois descobriu-se que
ela pertencia a uma tribo de pigmeus gigantes conhecidos por sua extrema
ferocidade. Ele me repetiu isso muitas vezes. |
Ricardo:
Ela era bem brava, essa mulher! Agora acalmou
um pouco (risos)... Aí você perguntou e ela não
respondeu, ela fugiu da resposta. Mas eu acho que é isso. Para
administrar essa casa onde tinha tanto artista, tanta gente maluca,
só alguém com o pulso firme. E ela era o pulso firme
da casa. |
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Bisu:
... E nós não éramos só
nós. Tinham os primos... |
Ricardo:
Tinham o primos que moravam lá em casa, tinham
os agregados, tinha o conjunto "Os Pulguentos". A gente voltava
da escola, o Ju, eu, o Paulo, o Alemão e o Reinaldo que eram os outros
três que estudavam na mesma classe, que eram do mesmo conjunto. De
repente, os cinco Pulguentos estavam almoçando em casa. Depois a
tarde, meu pai fazendo os textos lá no escritório e a gente
tocando
no quintal ou no salão. E tinha o meu primo Maurício, o Manduco,
que vinha passear em casa. Fora os amigos também que vinham ver o
ensaio, o Jerico, filando uma bóia... |
Bisu:
Todos davam palpites nos textos, eu também
dava . Agora, eu era perigosa em entrevista.
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Ricardo:
Cuidado! (risos) |
Bisu:
Eu não gostava. Mas quando me perguntavam
alguma coisa eu respondia... |
Ricardo:
O laboratório maior do Renato era em casa
mesmo, o que acontecia, ele já
punha no texto. Ele era um cara que vivia antenado.
Quer dizer, bobeou... ah, olha isso aqui... tal e já... Ele saía
de casa, por exemplo, pegava táxi ou ia para qualquer lugar, ele
tinha sempre um bloquinho e uma caneta. |
Bisu:
Tá certo que de vez em quando ele jogava
as anotações fora, sem querer. |
Ricardo:
Jogava tudo fora. |
Bisu:
Sem perceber. Ele anotava num maço de cigarro,
por exemplo. |
Ricardo:
Aí jogava fora, foi embora aquela idéia.
Então, ele era uma pessoa muito ligada em tudo. Obviamente ligada
numa família, ali que era a nossa família e ele ia tirando
muita coisa para o programa já direto das situações
que se passavam em casa mesmo... Acho que era mais resolvendo situações
de televisão em casa do que de casa na televisão. Porque quando
a gente pegava o texto para dar a primeira passada, às vezes pintava
um ou outro palpite, uma modificação: "Ah, não
pai, faz aquilo, melhor fazer isso aqui, que tal isso aqui". Tinha
essa colaboração. |
Ju:
Se eu queria televisão? Olha, eu suspeito
que morria de medo de aparecer na televisão. Uma vez que eu fui convocado,
parti para cima, parti para a luta. Mas o meu perfil sempre foi a de uma
pessoa muito introspectiva, muito tímida. Então, não
foi fácil, mas foi uma experiência notável, fascinante!
Você pergunta, por exemplo, a respeito do envolvimento da gente com
a coisa da televisão. Meu pai me testava como espectador em quase
tudo o que ele escrevia. Quer dizer, tudo o que ele escrevia: "Vem
cá, Jú!" Ele me achava uma boa platéia... Graças
a Deus, eu acho que já nasci também com um senso de humor,
ria alto, ele adorava. Me fazia ler o script. Isso para a minha formação,
é uma coisa de um valor inestimável, porque eu acho que cultura
familiar é de uma importância, que eu acho que toda a família
deveria saber quem é o pai direito, quem foi o avô, o que cada
um faz. A gente deveria dar maior importância, primeiro para a casa
da gente, primeiro para o que cada um de nós faz, cultura familiar,
cultura da cidade em que se está envolvido. Se a gente não
se conhecer, o que vai adiantar? Vai querer conhecer o quê? Rock'n
roll? Tudo bem. Eu adoro. Eu acho legal conhecer o músico do bairro,
o artista do bairro, o artista da sua cidade, do seu país. Essa informação
de arte familiar, de cultura familiar, é de um valor inestimável,
realmente. |
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Vocês juntaram a família
e foram trabalhar juntos, ganhar o pão de cada dia juntos... |
Bisu:
... com geléia e manteiga. (risos) |
Ju:
Olha, esse projeto já existia. Como é
que chamava o projeto inicial? |
Bisu:
"As Aventuras do Comendador". |
Ju:
O Jô Soares chegou a participar, né?
Parece também que nesse início. |
Ricardo:
Não, ele participou mais do "Papai Sabe
Nada" |
Ju:
Aquele marido covarde, que tinha uma espécie de um filho covarde.
O Jô Soares fazia o filho e o papai fazia o pai. Ele fazia tipo o
homem da casa. |
Ricardo:
É, mas isso já era dentro do "Papai
Sabe Nada". No "Aventuras", não. O "Aventuras"
era o papai, a Bisu e o Confúcio. Não me lembro o nome de
quem era o ator que fazia o personagem Confúcio. |
Ju:
O Confúcio veio antes, é um protótipo do "Papai
Sabe Nada". |
Ricardo:
Quando tentaram contratar o papai para um outra
emissora e a Record não deixou, eles contrataram o Confúcio
para melar "As Aventuras do Comendador". Daí eu comecei
a azucrinar o Renato: "Olha, eu sou o Confúcio". |
Bisu:
Daí eu forcei este aqui. (mostrando o
Ju) |
Ricardo:
Daí quando ele foi refazer, ele não
queria que eu fizesse o Confúcio. E aí: "Pai, eu sou
o Confúcio, eu sou o Confúcio"... E ele: "Peraí,
eu vou pensar direito". Daí ele repensou o texto e ele falou:
"Bom, já que vou colocar o Confúcio, vou colocar o Frederrache.
Vou fazer a família toda!" e apresentou o projeto para a Record. |
Bisu:
Eu estava brigando que eu não queria, que eu tinha medo, que eu não
queria ir para a televisão e este veio me consolar. E eu falei: "Ah!
Então por que você não vai então, também?"
Daí ele falou: "Ah, então eu vou!" |
Ricardo:
Ah, detalhes tão pequenos de nós dois...
(risos) |
Ju:
Tem esse aspecto
fascinante. Eu tinha 12 anos de idade e o Ricardo tinha 9. Então,
a idéia realmente do que era a coisa, não tinha nenhuma. Então
foi uma aventura de fato. E quatro anos de boas aventuras. Uma das coisas
que eu acho interessante nesse aspecto, é o grau também de
envolvimento no programa. Uma vez eu vi um garoto com uma Fender Stratocaster
maravilhosa e eu chamei o Ricardo correndo num dos intervalos do programa:
"Ricardo vem ver, tem um garoto com uma Fender Stratocaster".
Uma guitarra americana chocante na época e daí nós
fomos ver e ficamos apaixonados pelo grupo. Esse grupo era o início
dos "Mutantes". E nós pedimos pro meu pai, o Renato: "Ô
pai, bota esse conjunto na televisão". E ele botou. |
Bisu:
No programa. |
Ricardo:
"The Six Sided Rockers", os futuros "Mutantes". |
Ju:
Eu tenho umas histórias legais assim que
também fazem parte da própria história da televisão.
Nós vimos muitos artistas nascerem na televisão, fazendo teste,
nesse caso os "Mutantes", na época não eram "Mutantes",
estavam fazendo teste para entrar na televisão... Porque eu acho
que a televisão é um veículo que te leva realmente
a notoriedade, quer dizer, o programa ia para o país inteiro, ia
para todo o Brasil. Então, isso mexe com a estrutura emocional, psicológica
das pessoas. Isso mexe com o ser humano, vaidade, aquela coisa do orgulho,
de público. Isso sem dúvida mexe mesmo. A televisão
é um perigo. Imagine você, fazer sucesso de repente, sem estar
preparado psicologicamente pra isso. Ou mesmo perder esse sucesso do dia
pra noite. Porque de repente a televisão pode ser uma coisa descartável,
acaba aquilo, depois não roda mais. Como está a estrutura
psicológica do cidadão pra segurar depois a ausência
daquele sucesso? Então eu acho interessante, pode continuar Ricardo
que você deve ter alguma coisa pra dizer a respeito... (risos)
Tem mais experiência, inclusive. |
Ricardo:
Tudo bem a televisão ser descartável,
que ela é um aparelho, mas o artista ser descartável... é
duro. E acontece isso aos montes, a gente está cansado de ver, e
faz parte da máquina, do sistema, enfim. Mas eu acho que a Família
Côrte Real sem a televisão, ela ia ser uma família bem
divertida e bem unida, mesmo porque já fazia parte da família
ser assim antes da televisão. |
Ju:
Isso eu não tenho a menor dúvida,
estou de acordo. |
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Bisu:
Eu ia a feiras, supermercados. O Renato ia
junto. Às
vezes, a turma vinha e me incomodava um
pouquinho. Mas continuamos nossa vida. Ciúmes? (risos)
Era o único marido que eu tinha! Era o meu único marido...
eu tinha sim. Uma vez eu falei isso na televisão, durante uma
entrevista, e houve um silêncio! |
Ju:
Como é que foi o negócio? |
Bisu:
Uma entrevistadora me perguntou: "É
verdade que você tem ciúmes do Renato?", eu falei:
"Tenho, ele é meu único marido". Houve um
silêncio no estúdio... Eu
acho que dentro de casa, ninguém era artista. Não tinha
disso não! |
Ju:
Será? |
Ricardo:
Como
todo mundo era artista, então ficava
igual. |
Bisu:
Bronca, eu dava em todos. |
Ju:
Artista é um bicho egóico. Então,
você junta meia dúzia de artistas, vira um saco de gato.
Tem essa coisa mesmo da vaidade, do ego, nessa questão do artista.
É inerente acho que ao artista querer brilhar. É uma
administração interessante. Em casa era muito gostoso. |
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Apanharam do Renato? |
Ju
e
Ricardo:
Raríssimo. |
Ju:
O meu pai era uma criatura extremamente amorosa
e ele tinha um Dom. A gente estava falando alguma coisa a respeito disso
há um tempo atrás aqui e automaticamente eu me lembrei. Meu
pai era uma pessoa muito espirituosa, engraçada, mas ele tinha uma
qualidade espiritual que eu acho que era uma coisa fantástica, ele
tinha o Dom da harmonização. Então, se tivesse algum
problema na família, com quem quer que fosse, algum amigo, parente,
colega, ele era o tipo da pessoa que chegava e: "Vem cá, senta
aqui, vamos conversar". E daqui a pouco, era uma maravilha. Ele tinha
esse Dom. Realmente, eu estou falando isso porque eu cheguei a ver comigo,
na minha própria experiência e com muita gente que eu conheci.
É uma coisa maravilhosa. Um Dom. |
Bisu:
Eu
gostei de ser casada. Foi ótimo,
foi muito bom. Nós ficamos casados 35 anos, 9 meses e 6 dias.
Fazem 20 anos que ele foi embora, mas eu continuo casada. Pra eu dizer
que eu sou viúva? Eu sou casada. E quando vocês falaram
do se sentir descartada... eu larguei a televisão, numa boa.
Acabou, tchau, não me fez falta nenhuma. Eu sinto, às
vezes, saudades das pessoas com quem eu convivi ali, de algumas situações,
mas de voltar pra televisão? Não senti falta nenhuma.
O Renato trabalhou oito anos, na segunda temporada na Globo. Desses
oito anos, três, eu trabalhei junto. Depois desses três,
não. |
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Ricardo:
Teve antes, mãe, na TV Rio. |
Bisu:
Mas nessa época, eu não trabalhei. |
Ricardo:
Mas você ia sempre. |
Bisu:
Eu ia. Eu fazia parte dos contratos: passagem
e a acomodação para duas pessoas. |
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Ricardo:
Era um grude (risos).
Era um grude legal. Era um grude amoroso. |
Bisu:
Não é fácil você largar
a casa toda a semana, ir embora pro Rio e não fazer nada lá.
Eu ia só pra fazer companhia, assistia ao programa, batia palmas,
dava risada. Bato palma como pouca gente. |
Ricardo:
Por isso eu levo sempre ela aos meus shows. (risos) |
Bisu:
Eu também lia os textos dele, criticava...
A gente trocava idéias: "Não gosto, não acho graça,
não rio", ele trocava. Ele dizia que nós éramos
casados 24 horas por dia. |
Ricardo:
Tinha uma outra que ele também falava e que
era legal, quando começou o "Papai Sabe Nada" que era:
"Família que fatura unida, permanece unida" (risos)...
Antes da gente começar a tocar, eu me lembro da primeira vitrola
que chegou em casa, foi em 57, vocês (Renato e Bisu) foram
para os Estados Unidos e vieram com a primeira vitrola. Até então
a gente ouvia muito rádio. Sempre ouvi muito rádio, e meu
pai era um cara musical. Meu tio Roberto nem se fala, um cara que produziu
e lançou muita gente. Mas assim, uma das cenas que me lembro sempre
é ele pondo "My Fair Lady" na vitrola e dublando pra gente
em casa. Ele vivia assobiando. O Renato tava na rua e assobiando. |
Ju:
Permita um aparte. O Renato ia ao cinema, nós
íamos todos juntos, ele cantava junto com o artista na tela e a risada
dele dentro do cinema era uma coisa de parar o filme. Era uma figura muito
musical também. Ele fazia paródias o tempo todo e tinha essa
mania de cantar. |
Ricardo:
Tem até um texto que ele começou fazendo
sobre o pai dele, o nosso avô, e eu continuei o texto na situação
atual. O texto dele falava assim: que o pai dele gostava tanto de música
que instalou lentes de aumento nas janelas para receber o sol maior
(risos). E eu continuei a história
da seguinte forma: "Quando meu pai nasceu, meu avô estava um
pouco quebrado, não tinha dinheiro e meu pai queria estudar piano,
não conseguiu porque não tinha grana e estudou datilografia.
Então em vez de compôr, ele decompunha as músicas dos
outros. Ele fazia paródias". É um texto sobre o meu pai.
Eu não sei se ele começou mais com a versões, meio
que encomenda. As pessoas pediam porque ele tinha um inglês muito
bom. Então ele fazia versões, como essa aqui: (cantando
e tocando violão) "O que broto legal, garota fenomenal,
fez um sucesso total e abafou no festival". Ou então paródias,
ele pegava por exemplo: (cantando e tocando paródia de "Carol")
"Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, aaaai ... que dor de dente". |
Bisu:
Esse foi o primeiro prêmio que o Renato recebeu
na televisão, "Os Melhores da Semana", cantando essa paródia. |
Ricardo:
(cantando)
"Oh little darling... que dor de dente". |
Bisu:
Eram "Os Melhores da Semana", a Tupi dava
esse prêmio. Aparecia o indiozinho. |
Ju:
Eu vou pegar o troféu para mostrar pra vocês.
(sai da sala) |
Ricardo:
Vai que a gente fala mal de você
(risos). A minha relação
com o Ju? Era de irmão
(risos). Irmão mais novo e irmão
mais velho. Ainda tinha os primos. Eu era o mais novo de quatro moleques
dentro da casa. Bem no começo mesmo, tinham quatro, pela idade seriam:
Sisutinho, Ju, o Maurício e eu. O Maurício é oito meses
mais velho que eu. Então, numa época em que eu tinha cinco
anos, o Maurício tinha quase seis, o Ju tinha oito e o Sisutinho
tinha nove. Imagina um cara de cinco no meio dessa turma! Isso até
uns treze, porque depois o Sisutinho mudou e foi para os Estados Unidos...
Eu nasci no Ipiranga, a gente morava no Ipiranga, depois a gente mudou pra
Santo Amaro quando eu já tinha 12 anos. A gente mudou pra cá
em 64. |
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Ju entra na sala com os troféus
e brinca |
Ju:
O meu pai era um dos homens mais atrofiados
de São Paulo, no Brasil (risos).
Esse aqui é o Roquete Pinto, que era um dos prêmios mais
disputados da época e quando recebia o sétimo, ficava
hors-concours e recebia esse bacaninha aqui. Aí não
podia receber mais... Mas do que vocês estavam falando mesmo?
(rindo e brincando) Eu e o Ricardo vivíamos muito bem.
Foi uma relação assim muito tranqüila. Um irmão
gracinha. |
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Ricardo:
"Mãe, o Ju me bateu!", essa
frase era umas dez vezes por dia. (risos) |
Bisu:
Daí, eu batia nos dois. |
Ricardo:
Ela fazia justiça com as próprias
mãos (risos).
Isso quando não sobrava para os quatro. |
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Eu
me lembro uma cena engraçada na primeira casa em que a gente morou,
era uma casa pequena e era onde tinha mais gente. E tinha um corredor que
ligava a sala aos quartos, ao banheiro e tinha a fila do banho.Enquanto
o Sisutinho tomava banho, o Ju andava de Tico-Tico e eu e o Maurício
ficávamos em alguma disputa, alguma coisa assim. Daí o Sisutinho
saía, ia ser enxugado, trocava de roupa, o Ju entrava no banho, o
Maurício ficava no Tico-Tico e eu ficava olhando. Daí, quando
entrava o Maurício, eu pegava o Tico-Tico e ficava andando (risos).
E assim também era com as roupas. Muitas vezes, eu herdava as roupas
de quarta mão já (gargalhadas). Mas era divertido,
eu tive uma infância muito feliz. E eu acho que era por causa dessa
farra, mesmo. Não era uma família que passava fome, mas era
uma família humilde, mas lutando... |
Bisu:
Seu pai ganhou sempre mais ou menos bem e eu ganhava também, mas
a casa era muito grande. |
Ricardo:
A casa era muito pequena com muita gente. Tinha
minha avó... |
Bisu:
Minha irmã, a tia Lula, sobrinhos, vizinhos. Mas essa época
não era de televisão ainda. |
Ju:
Vocês estão falando do período
antes da televisão. Eu me lembro que eu tinha quatro para cinco anos
de idade quando a primeira televisão chegou em casa. Era um acontecimento!
Era um móvel grande, com um alto-falante em baixo. |
Bisu:
Chamava Catarina. (marca do televisor) |
Ju:
E eu vi meu pai estrear num programa de calouros,
naquela televisão, nossa primeira televisão. Eu já
tinha uns cinco anos de idade! |
Ricardo:
Foi em 54, eu tinha dois e você tinha cinco.
Exatamente. |
Ju:
E era um acontecimento, mesmo. Quando eles foram
para os Estados Unidos e trouxeram a televisão portátil! Era
um ET, a televisão portátil era um ET. |
Ricardo:
Era de lata, colorida, bonita. |
Bisu:
As primeiras vezes que ele (Ju) viu
o pai na televisão, ele chorou: "Tira o pai da caixinha". |
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Ju:
É mesmo? |
Bisu:
É. |
Ricardo:
(muitos risos) Tem problema até
hoje por isso. A televisão engoliu meu pai. |
Ju:
Não precisava me lembrar desses dados
tão assim... Como o Ricardo disse, a nossa infância foi
muito alegre, muito feliz, mesmo. Antes desse período assim
de travar contato com esse mundo mesmo da televisão, a gente...
eu era moleque de andar de estilingue no bolso, na rua, era moleque
mesmo. |
Ricardo:
O nosso bairro era ótimo, todas as
ruas eram de terra... No Ipiranga. |
Bisu:
Perto do museu. |
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Ju:
Às margens plácidas (risos).
A minha carreira de artista, de antiquário passa pelo Ipiranga porque
eu cabulava aula diariamente para ir ao Museu do Ipiranga. Uma vez a Bisu
me pegou, eu já estava há dois meses sem ir à escola.
Eu saía do Instituto de Zoologia, onde ela trabalhava, na seção
de borboletas e o Museu do Ipiranga ficava em frente. Em vez de ir pra escola,
eu ia para o museu. Então, eu tenho esse lado também de curiosidade
museológica. Eu adoro tudo o que é objeto de arte, antigüidades.
Eu vivo com a minha cabeça focada em arte, o tempo todo. |
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Trabalhos de Renato Côrte Real
na TV |
Ricardo:
Eu me lembro a partir da "Aventuras do
Comendador"; "Grande Show União" que era o Epitáfio
e a Santinha que é um quadro, inclusive, que hoje está
na Globo com a Nair Belo
e com o Rogério Cardoso. Naquele
tempo a Nair também fazia o papel de Santinha com meu pai,
que fazia o papel do Epitáfio. Tem o "Papai Sabe Nada";
"Côrte Rayol Show"; "Real Country Club"
na Bandeirantes; na Excelsior eu não me lembro o nome; "Galeria
81" no SBT, "Alô Brasil Aquele Abraço";
"Faça Humor, Não Faça Guerra" e "Satiricom". |
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Ju:
O interessante são os personagens.
Eu me lembro muito dos personagens... Tem um personagem chamado Agalópis
Cavalinho. |
Bisu:
Era um corretor de imóveis. |
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Ju:
Um vendedor chatéssimo. Tinha o professor
de humorismo que era um quadro que na época eu achava muito estranho,
um cara com boina, uma gravata vermelha desse tamanho (enorme). Achava
aquilo bizarro, mas hoje eu valorizo muito esse quadro. O professor é
um cara que não conta piada, ele explica a piada. Ele explica o humor.
O meu predileto é o Sigismundo Fraude. Eu adoro o psiquiatra, é
um dos quadros que eu mais gosto depois do Nepomuceno de Alcatrão
e Melo que é o intelectual, intelectualóide, é uma
besta quadrada. Fala de qualquer assunto, mas só fala abobrinha,
é uma maravilha o Nepomuceno de Alcatrão e Melo. |
Ricardo:
"Mas professor, o que o senhor acha da arte abstrata?", o Nepomuceno
fala: "Vou dizer, doa a quem doer, não só não
concordo com a arte abstrata, como não sei o que é isso".
(risos) |
Ju:
Ele dava opinião sobre tudo e não
sabia nada. E era sempre requisitado para falar de assuntos importantíssimos,
de política à ciência. Era uma besta quadrada. E o Sigismundo
Fraude era um psiquiatra completamente xarope, desvairado de louco. |
Bisu:
Eu gostava da Florisbela, a velhinha e ninguém
falou do presidiário! |
Ju
e
Ricardo:
Eu ia falar... |
Ricardo:
Uma gênia chamada Biloca foi quem causou a
prisão dele. |
Ju:
Mas aí é o seguinte, no quadro do
presidiário, a Bisu roubava a cena. No presidiário, a Bisu
era o máximo. |
Bisu:
Máximo Jacarandá do Vale, dono da
fábrica de chupetas Polegar. |
Ju:
Sim, isso era do "Papai Sabe Nada". |
Ricardo:
O presidiário não tinha nome, né?
Tinha o Nerson que era o guarda, a Biloca, mas ele mesmo... Nunca se divulgou
o nome do presidiário. |
Ju:
O engraçado é que no presidiário,
a Biloca era muito burra. Ela ia visitar o presidiário, e ela fazia
um papel assim fantástico, uma coisa detestável porque ela
ia lá e ele tentava passar alguma dica à ela para ele conseguir
se mandar. E ela sempre fazia tudo errado e acabava entregando ele para
o guarda, o Nerson. Então, ele terminava assim: "Nerson, Nerson,
deixa eu matá-la só um pouquinho". Ele ficava desesperado
e ela saía com aquela cara de tonta, que não tinha entendido
nada e só fazia burrada. |
Bisu:
Mas eu tinha medo que um dia ele pulasse e me apertasse
mesmo o pescoço. (risos) |
Ricardo:
E o Nerson era o Nelson Turini. |
Ju:
Uma coisa fascinante também era o número
de participantes no "Papai Sabe Nada", por exemplo, em qualquer
programa, realmente, tinha muita gente. O Adoniran Barbosa fazia o ascensorista
da fábrica de chupetas Polegar. |
Bisu:
A Zilda Cardoso, a Gleyde Marisa de quem eu gostava
tanto! |
Ricardo:
Ele pegava pessoas que não eram atores também.
Pegava, por exemplo, a empregada, Elisabete, que era da claque. O Moral
que era contra-regra. |
Bisu:
O Mauro, eu... (risos) Mas vocês gostavam. |
Ju:
A televisão é um trabalho que exige
muito foco. Eu sempre fui desligado. O meu apelido em casa era Peter, em
homenagem ao Peter Sellers, porque eu sempre fui tão atrapalhado
e desengonçado quanto Peter Sellers e nosso ídolo em casa
era o Peter Sellers. Então, com essa coisa de ser muito no mundo
da lua, eu tinha que me concentrar, decorar textos, me concentrar para fazer
os programas. Às vezes, dava um trabalho bárbaro que até
hoje em televisão eu tenho que lidar com essa coisa do foco, da concentração.
Não pode sair voando. Recentemente, eu até fiz novela e é
uma fábrica de fazer imagem. Você grava 20, 30 cenas por dia.
Você tem que estar ali com o foco. Televisão exige muita concentração
e é um trabalho de equipe, trabalho sério de equipe. Está
todo mundo ali concentrado e é um trabalho que estressa. Televisão
é uma fábrica de imagens, é uma indústria que
envolve arte, mas envolve também um trabalho técnico na produção.
Tem muita gente envolvida, "Time is money". |
Bisu:
Você se lembra de um dia, numa cena em que vocês estavam jogando
dama ou xadrez... |
Ju:
(rindo) Nós nos distraímos. |
Bisu:
Realmente, eles jogavam e esqueciam. |
Ricardo:
Aí davam a deixa para a gente dizer a fala
e quem falava? Não, eu estou jogando, você está me atrapalhando
aqui, pai. (risos) |
Bisu:
Isso sem contar que o Renato também era atrapalhado.
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Ricardo:
Exatamente, o Peter vem já do Renato. Hoje
em dia, eu com os meus filhos, a gente brinca e pega um refrão quando
acontece alguma besteira. Na nossa adolescência era assim, o Ju derrubava
alguma coisa na mesa, meu pai falava: "Peter". Hoje em dia, com
os meus filhos tem essa mania de esquecer as coisas: (cantando e balançando
os braços de uma lado para outro) "Sou Côrte Real,
lá, lá, lá, lá". (risos) |
Ju:
Falta um parafuso em todos. Um apertãozinho
em alguma válvula interna. |
Bisu:
Eu fui sempre quem apertou os parafusos. |
Ricardo:
Ela colocou na linha, no gabarito. |
Bisu:
Por isso, eu tinha que ser brava. |
Ricardo:
Você já foi perdoada, mãe. Tudo
Bem. (risos e brincando) Eu comecei a fazer análise por causa
da minha mãe. Eu sempre achava que o problema era meu pai. Comecei
a fazer análise com uma mulher, até que ela descobriu que
o problema não era meu pai, daí eu saí do colo dela
e nunca mais eu voltei lá. (risos) |
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Censura |
Ricardo:
Eu me lembro de um cara sentado lá no Teatro
Record, anotando as coisas. |
Bisu:
No Rio Grande do Sul, ele foi apresentar o espetáculo
"Escreveu, não leu, o palco é meu". Ele teve que
fazer todinho para a censura. A moça ficou sentada ali assistindo,
só para ela, para ver se tinha alguma coisa pra riscar ou não.
Isso era normal. |
Ricardo:
No "Papai Sabe Nada", nunca teve censura. |
Bisu:
Era tão inocente! |
Ju:
No "Papai Sabe Nada" ainda não
tinha acontecido a revolução. |
Ricardo:
Exatamente, eu me lembro que em 64 a gente
estava gravando. Mas realmente, começou a fechar em 68, na
época do "Côrte Rayol" e da "Família
Trapo". Na "Família Trapo", eu nunca me lembro
de ter tido nada, porque tanto o Jô Soares, como o Manoel Carlos
e o Carlos Alberto de Nóbrega não escreviam nada que
realmente pudesse ter que mexer. Eu me lembro que meu pai, algumas
vezes, no "Côrte Rayol" ter que mexer em alguma coisa...
No começo de 68, ele foi para os Estados Unidos com a Bisu,
a convite do governo americano, foi conhecer as emissoras. Ele ganhou
um prêmio pra visitar as emissoras, pra conhecer como é
que funcionava o esquema da televisão lá. Na volta,
ele comunicou à direção da Record que ele não
queria mais fazer o "Côrte Rayol", era uma coisa que
pra ele já estava meio que passado. Ele queria fazer coisas
novas. Tinha um projeto que era "Na Côrte do rei Natão",
de novo ele ia atuar junto com a família. Ia ser uma coisa
passado num país fictício, tinha o príncipe Nico.
Ele desenvolveu o projeto do programa, o piloto. E aí a Record
começou um jogo de empurra: "Ah, tudo bem, nós
vamos fazer o programa novo". Mas a Record já estava meio
em crise ou então algum problema que talvez eles tenham sentido:
"Como ele não quer mais fazer o ‘Côrte Rayol’?",
não sei. Só sei que eles enrolaram para fazer esse programa
até o fim do contrato dele e daí mandaram uma cartinha
dizendo: "Olha, acabou o contrato, não precisamos mais,
obrigado". Depois de não sei quantos anos de casa. |
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Prêmio recebido nos Estados Unidos |
Bisu:
Eles consideraram o Renato como o homem de televisão
do ano e como tal, convidaram para ir aos Estados Unidos com todas as mordomias.
Fomos visitar estúdios de televisão, fomos a vários
espetáculos de teatro. Enfim, nós tivemos muitas entrevistas
e eu fingia de fotógrafa. Eu sei que foi o Departamento de Estado
dos Estados Unidos que mandou a carta com o convite. |
Ricardo:
O adido cultural do consulado americano aqui em
São Paulo era o Fischer. Ele era um fã do meu pai total. |
Ju:
Uma coisa que eu queria colocar é que por
ele falar muito bem o inglês, o meu pai dava shows... |
Bisu:
Ele era taquígrafo e tradutor. |
Ju:
Então ele fazia shows para as empresas americanas,
consulados. O consulado se tornou um grande amigo nosso e isso possibilitou
também que ele pudesse conversar, trocar idéias com seus colegas
nos Estados Unidos. Então, eles marcavam entrevistas com esses artistas.
Meu pai ia lá, assistia aos shows, depois tinha um bate papo com
o cara para se conhecer. Foi uma coisa maravilhosa, principalmente, eu acho
que com relação com Danny Kay, eu acredito. Meu pai adorava
o Danny Kay, cantava uma música dele desde que eu era criança,
muito jovem. Meu pai foi lá, ver o show de Danny Kay, pediu para
cantar essa música. |
Bisu:
O Danny Kay ele já conhecia aqui do Brasil. |
Ricardo:
Tinha uma coisa bem antes que era o Teatro Record
na Consolação, antes de se tornar a sede de tudo da Record.
Depois que pegou fogo, no teatro tinha shows com o Sammy Davis Jr., Marlene
Dietrich, Maurice Chevalier. Ele fazia o mestre de cerimônias porque
ele sabia falar inglês e podia entrevistar esses artistas internacionais. |
Ju:
Ele tinha uma facilidade pra línguas muito
grande. Se precisasse falar francês, ele falava. Se precisasse falar
italiano, ele falava, espanhol. Tinha um ouvido privilegiado. |
Ricardo:
E uma cara de pau! (risos) |
Ju:
Uma coisa que me assusta é que ele falava
inglês muito bem sem nunca ele ter ido para os Estados Unidos. E eu
que até hoje venho estudando um pouco dessa língua, eu vejo
que comigo não foi tão fácil assim. É uma questão
de ouvido, de foco também. |
Ricardo:
Que foi desenvolvido também na infância,
adolescência, porque o pai dele era gerente de cinema em Campinas.
Então, ele, o tio Roberto e os irmãos, eles assistiam muitas
vezes o mesmo filme porque era de graça. Então eles prestavam
muita atenção no que rolava e liam as legendas. Então,
uma boa parte do inglês deles foi aprendido ali. |
Ju:
O Roberto Côrte Real, nosso tio, irmão
do meu pai, também é uma criatura brilhante. Nós herdamos
dele, por tabela, toda essa ligação musical porque o Roberto,
ele lançou: Roberto Carlos, Maysa Matarazzo, Cauby Peixoto. Ele era
um lançador de estrelas e ele tinha uma coleção de
jazz que era espetacular. Então a gente tem essa musicalidade, também,
graças ao tio Roberto que mandava os discos pra gente. |
Ricardo:
O Renato antes da televisão era uma espécie
de secretário bilíngüe, taquígrafo, tradutor.
Não existia secretário bilíngüe, naquela época,
então ele era tradutor. Então ele trabalhava muito em empresas
americanas, inglesas e geralmente era um assistente da diretoria que falava
inglês e português e tinha técnicas de taquigrafia. |
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Ju:
Tem um detalhe, também interessante,
que no tempo aí do pós-guerra, o meu pai fez escola
técnica de aviação. Então ele tinha diálogo
com pilotos americanos ou ingleses que estavam baseados por aqui,
então ele tinha que dar aula de português pra esse pessoal. |
Bisu:
Nessa época ele passou a ser só
tradutor. |
Ju:
Técnicos, mecânicos, aeronáuticos
americanos, ele acabou melhorando o seu inglês e ensinando muito
português pra muito americano por aí. |
Ricardo:
Eu acho que no próprio ambiente de
trabalho dele, devia ter esse incentivo de "ah, você é
engraçado". Porque ele devia aprontar altas no local onde
ele trabalhava. |
Ju:
Tem uma cena, na minha infância, eu
devia ter uns cinco anos de idade, seis no máximo. Isso ficou
na minha cabeça, é uma coisa assim inesquecível
e até hoje eu valorizo muito essa cena que eu vi. E eu como
artista plástico, registro isso como um tesouro. Uma cena,
assim dos primórdios da televisão brasileira. Meu pai
fazia um quadro em que, eu não me lembro muito bem nem o que
ele falava, mas eu sei que ele aparecia com a cabeça em cima
de um prato. |
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Bisu:
"O Prato do Dia". |
Ju:
Ele aparecia com a cabeça dentro de um prato
rodeado de legumes e aí eu acho que ele dava uma receita. |
Bisu:
Não, ele fazia o comentário do dia. |
Ju:
Plasticamente eu acho esse trabalho conceitual,
magnífico. Ficou assim uma pintura, isso em 1954... Tinha um personagem,
eu não lembro o nome, e que vendia arame farpado. Então, ele
chegava, por exemplo, numa farmácia: "Boa tarde, eu sou um vendedor
de arame farpado, eu quero saber quantos metros a senhora quer?", "Pelo
amor de Deus, meu senhor, isso aqui é uma farmácia!",
"Quantos rolos?". Era um cara mal encarado que vendia arame farpado
e obrigava as pessoas a comprarem
(risos). Era o maior barato, eu achei
muito engraçado isso aí. Ele ia nos lugares mais absurdos.
Daqui a pouco ele começava a falar grosso: "Eu perguntei quantos
rolos a senhor quer". Ele batia na mesa, o cara ficava assustado e
comprava. Tem um outro personagem magnífico na televisão que
era o Dr. Obturado. Ele demorava horas para entender uma piada. |
Ricardo:
Um quadro dele que eu acho que é um dos mais
lembrados até hoje por todo mundo que eu conheço, é
o "Lelé e Dacuca", Renato e Jô Soares. Isso é
coisa de louco, é muito legal! A televisão tem aquele negócio,
a.G. e d.G., antes da Globo e depois da Globo. Na época da Record,
realmente o Renato marcou muito, mas a Globo mudou um pouco o paradigma
da televisão e nesse caso, ele pegou outras gerações
e também ampliou muito o público da televisão. Depois
da Globo, com os satélites, rede nacional, ampliou o público
e foi nessa época que o Renato fez bastante sucesso com o "Lelé
e Dacuca". Tanto é que é o quadro que muita gente jovem sabe
e conhece, talvez porque os pais falem. |
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Ju:
Um detalhe interessante, nós fazíamos
no "Papai Sabe Nada" gravação em videoteipe,
pioneiros em televisão, e em branco e preto. Na Globo, no "Faça
Humor, Não Faça Guerra", a televisão em
cores foi uma revolução! Foi um ET o lançamento
da TV em cores. |
Bisu:
E quando apareceu o chroma-key? Aquilo
era uma loucura, a gente não podia estar de roupa azul. |
Ricardo:
Até hoje não pode. |
Bisu:
Pois é. Ninguém sabia disso. |
Ju:
Na década de 60 já havia um
número expressivo de televisores. |
Bisu:
Eu queria lembrar um negócio. O "Papai
Sabe Nada" era feito na Record e ela não era rede. |
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Ricardo:
A fita viajava. O programa que ia para o ar agora,
só ia estar em Porto Alegre, na semana seguinte, Belo Horizonte na
outra semana e assim por diante. Obviamente, começou em 50 a televisão
com apenas 200 televisores que o Chateaubriand mandou buscar porque a televisão
estava pronta e daí não tinha pra quem transmitir. A coisa
foi crescendo. A década de 60 até 66 era um número
relativamente pequeno de televisores. Quando realmente começou a
crescer muito foi quando os governos militares tinham essa loucura pelo
negócio da comunicação. Ele investiram muito na plataforma
de comunicação no Brasil e ampliou muito o número de
emissoras, retransmissoras e aparelhos/lares com televisão... Eu
me lembro de assistir Disneylândia, Domingo à tarde, a família
toda assistindo. A televisão no centro da sala e todo mundo assistindo
Disneylândia. A gente adorava! |
Ju:
Vimos muito televisão e cinema também,
graças a Deus. Filmes de humor, eu vi Alberto Sordi, italiano; Vitório
Gassman; Totó; Peter Sellers; Jerry Lewis; W. C. Fields; Grouch Max.
A gente via tudo o que tinha de humor. Nossa formação, é
engraçado, foi uma formação de humorista. Eu vi tudo
o que você possa imaginar no cinema: Chico Anysio, de Costinha à
Dercy Gonçalves, Walter Stuart, maravilhoso... Eu me lembro de uma
visita que o Golias fez em casa que eu chorei de rir, de ele contar história
da vida dele, real. Ele começou a contar que tinha um rato que compartilhava
o mesmo aposento que ele. Começou a contar da perseguição
que ele teve com o rato, mas era uma coisa real, que aconteceu com ele.
Mas eu dava tanta risada, uma coisa inesquecível... Eu me lembro
do Jô chegar de Romiseta. |
Bisu:
Me lembro com muita saudades do Durval de Souza,
Geraldo Alves. |
Ju:
A televisão não tem memória.
É uma invenção relativamente recente e uma coisa contemporânea
e já não tem memória. Isso que falou que a história
está sendo escrita em uma pedra de gelo, isso é uma verdade!
(dito em depoimento por Salathiel Coelho). Eu digo, que do "Papai
Sabe Nada" com quatro anos de videoteipe, existe um vídeo e
cinco anos de "Família Trapo", existem dois vídeos.
|
Ricardo:
Pode ser que tenha algum fã que tenha filmado
com uma câmera de 16mm o que estava rolando na televisão e
talvez a gente possa achar alguma imagem, já que não existia
o videocassete. |
Ju:
O que não foi gravado o futebol em cima,
o incêndio apagou. O festival de incêndios que destruiu o arquivo
das televisões brasileiras, esse material técnico foi uma
coisa devastadora e triste. |
Ricardo:
A televisão era fogo (risos). Eu lembrei
de uma música que um amigo meu fez que é assim (cantando):
"Quando eu nasci, logo de cara eu já descobri no preto e branco
da televisão, estava garantida a minha diversão. Com a TV
ligada, leite e bolacha, queijo e goiabada. Naquele tempo quem cuidava de
mim era o Cabo Rusty e o Rin-Tin-Tin". |
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Mensagem de Aniversário para
o Renato |
Ju:
Sem falsa modéstia, eu sempre fui
um grande admirador do Renato Côrte Real, como artista e como
pai. Admiro ele como artista, sinto a energia dele circulando até
hoje e realmente um pai amorozéssimo, criatura doce, queridíssima.
E eu gostaria muito, que a televisão, hoje, tivesse a capacidade
de resgatar a qualidade que eu pude ter quando eu era jovem, criança.
Eu acho que as pessoas que têm um veículo de comunicação,
principalmente no Brasil, nos dias de hoje, têm que ter a
responsabilidade de ajudar esse país a evoluir. Não
digo a tocar Bethoven, nem ficar provando as teorias de Darwin ao
vivo ou em cores ou gravado, mas sim passar um pouco dessa responsabilidade
da educação do nosso povo. O nosso povo está
a margem, totalmente renegado aí às ostras e eu acho
que a televisão pode cumprir o seu papel ajudando a educar
esse país. |
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Ricardo:
Eu endosso tudo o que o Ju disse, ele falou
mais do que eu pensava. Mas eu fico imaginando que a TV do céu
deve estar bem mais animada que a TV daqui.
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Agradecimentos
à RENTALCAM e WANDO MANTOVANI
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